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Agronegócio do Brasil causa 1 em cada 3 conflitos da Amazônia internacional

Enterro dos trabalhadores rurais mortos na chacina de Pau D"Arco (PA) - Antonio Carlos/Repórter Brasil
Enterro dos trabalhadores rurais mortos na chacina de Pau D'Arco (PA) Imagem: Antonio Carlos/Repórter Brasil

Carlos Madeiro

Colaboração para o UOL, em Maceió

29/09/2020 04h02Atualizada em 29/09/2020 16h46

A disputa de territórios envolvendo o agronegócio é responsável por um a cada três conflitos da Amazônia internacional, região da maior floresta tropical do mundo que inclui Brasil, Peru, Bolívia e Colômbia. Os dados fazem parte do Atlas de Conflitos Socioterritoriais Pan-Amazônico, lançado na última quarta-feira (23), de forma simultânea nos quatro países.

O documento envolveu oito instituições, sendo três delas do Brasil: a CPT (Comissão Pastoral da Terra), o Grupo de Pesquisa e Extensão sobre Terra e Território na Amazônia da Unifap (Universidade Federal do Amapá), e o Observatório da Democracia, Direitos Humanos e Políticas Públicas.

O levantamento aponta que a região teve 1.308 conflitos ativos entre os anos 2017 e 2018, envolvendo mais 167 mil famílias amazônicas nos quatro países. Segundo as instituições, a maioria dos confrontos segue até hoje. Desse total, 444 envolvem conflitos de povos com o agronegócio no Brasil.

Com 60% da área territorial da Amazônia internacional, o Brasil encabeça a lista com maior maior número de enfrentamentos: 995 ao todo, com 131,3 mil famílias atingidas nos oito estados onde há o bioma (AC, AM, AP, MA, MT, PA, RO e RR). Desses conflitos, 260 não tiveram a causa
identificada.

As disputas na Amazônia brasileira envolvem em sua maioria indígenas, comunidades tradicionais e quilombolas, com 528 casos registrados. Outros 12% dos alvos dos conflitos são sem-terra fora dos seus territórios tradicionais, ou em situação de acampados, ou despejados de seus territórios.

Ainda no lado do Brasil, 59% dos territórios em conflito são em terras sem legalização ou com falta de titulação legal, que incluem comunidades tradicionais e indígenas sem território reconhecido e demarcado, ou áreas de posseiros sem reconhecimento legal.

Chacina de Pau D'Arco (PA) é lembrada no atlas

O documento cita ainda como caso emblemático brasileiro no período o massacre de Pau D'Arco (PA), quando 10 trabalhadores rurais foram mortos por policiais durante uma operação de cumprimento de 14 mandados de de prisão na fazenda Santa Lúcia, em maio de 2017. No ano passado, a Justiça paraense determinou que 16 policiais devem ir a júri popular por homicídio qualificado, mas ainda não há data para o julgamento.

Segundo a CPT, vários fatores impulsionam os problemas no lado do Brasil na Amazônia. "A falta de reconhecimento dos territórios tradicionais dos indígenas, ribeirinhos, seringueiros, quilombolas prejudica muito. E também há muitos pequenos posseiros com décadas de ocupação que são expulsos de suas terras", afirma Josep Iborra Plans, membro da equipe de Articulação da Amazônia da CPT.

Ele ainda afirma que os problemas do agronegócio têm relação direta com a grilagem de terras. "Uma situação clássica dos territórios em conflito é: sofreu invasões com objetivo de grilagem de terras. A especulação territorial também existe: se ganha muito mais dinheiro ocupando, desmatando e especulando com terras do que criando bois. Por mais que a carne e a soja são os que fazem subir os preços da terra, pois a demanda fundiária de terras agriculturáveis provoca a correria para se apossar e desmatar as terras amazônicas", explica.

Expansão da soja é acompanhada por embates

Sobre o papel do agronegócio, ele afirma que o aumento de conflitos é perceptível especialmente em áreas de expansão da soja, como em Rondônia.

"Ali concentra muitos conflitos, também porque a situação fundiária é complicada. Foi uma área de colonização baseada em CATPs [contratos de alienação de terra pública], títulos de terra provisórios [que precisavam de cumprimento de cláusulas resolutivas para se tornar títulos definitivos]. As áreas não foram efetivamente ocupadas pelos titulares das CATPs, as cláusulas não se cumpriram em muitos casos", diz, citando que essas terras nunca retornaram, como deveriam, ao patrimônio da União.

"O povo foi ocupando efetivamente estas áreas abandonadas, muitas delas consideradas de baixa fertilidade, estabelecendo-se como posseiros, morando e trabalhando na terra. Quando a soja começou a entrar, estas terras aumentaram de valor e os titulares das CATPs
tentaram recuperar entrando na Justiça contra os posseiros que as tinham beneficiado efetivamente. Há centenas de conflitos com estas características em Vilhena, Chupinguaia, Pimenta Bueno, Parecis e outros municípios", completa.

Para Josep, a atual proposta de regularização fundiária que tramita na Câmara deve abrir ainda mais portas aos grandes grileiros.

Representantes do agronegócio minimizam avanço sobre Amazônia

Ligada ao agronegócio, a ministra da Agricultura Tereza Cristina tem feito discurso em defesa do setor, alegando que o agro tem crescido nas áreas já desmatadas, e que a Amazônia, com seu clima e terras diferentes das demais regiões, não é atraente, além de não contar com infraestrutura logística. "Não precisamos da Amazônia. E eu sou uma defensora intransigente de se zerar o desmatamento ilegal", afirmou a ministra.

Mesma posição foi dada no ano passado pelo presidente da SRB, Marcelo Vieira. "A área atualmente ocupada pela agropecuária é de 30% do território brasileiro apenas, mas com os ganhos de produtividade que vêm ocorrendo, nós temos condição de produzir mais que o dobro do que nós produzimos hoje na mesma área. Então, a agropecuária brasileira não precisa expandir (a área utilizada)", afirmou.

A Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) defende a proposta de regularização fundiária em tramitação no Congresso Nacional como ferramenta de combate aos conflitos no campo, em busca de segurança jurídica para todos os proprietários de terras na região. A falta de regularização dificulta a identificação desses conflitos e de outras irregularidades contra o meio ambiente.

Países vizinhos têm confrontos com indústria extrativista e obras

Pelos países há muitas causas de disputa. Na Colômbia, por exemplo, a principal causa de disputa no país são as obras de infraestrutura de transporte, que geraram 90 conflitos.

No Peru, o maior problema é a mineração, que causa 22 conflitos, seguido pela extração de petróleo ou gás (18 casos).

Já na Bolívia, o principal problema apontado é a extração de madeira, com 43,2% das causas registradas.

Conflitos por países:

  • Brasil - 995
  • Colômbia - 227
  • Peru - 69
  • Bolívia - 17

Fonte: Atlas de Conflitos Socioterritoriais Pan-Amazônico