Ex-presidente de Crefito é denunciado por assédio; ele cita briga política
O Ministério Público do Trabalho (MPT) abriu procedimento para investigar o Conselho Regional de Fisioterapia e Terapia Ocupacional (Crefito) de São Paulo por assédio moral organizacional. A prática teria ocorrido de maneira sistemática e rotineira durante a gestão do ex-presidente, o fisioterapeuta José Renato de Oliveira, que ficou no cargo entre 2016 a setembro deste ano. Em nota ao UOL, o suspeito nega qualquer tipo de ato ilegal.
O UOL ouviu funcionários do Crefito, que confirmaram o teor das acusações sob a condição de anonimato. Eles temem represálias, pois o grupo do ex-presidente concorre às eleições para o comando da entidade, marcadas para o próximo domingo (6).
Entre as denúncias, os servidores efetivos apontam ameaças de demissão, sobrecarga a trabalhadores com atestado médico, além de terem presenciado supostas práticas de machismo e racismo.
"Todos os funcionários estão cientes da investigação do MPT sobre os indícios de assédio moral de maneira sistêmica", confirma um servidor do conselho, de 36 anos. Ele está desde 2012 na entidade.
Assédios rotineiros
O funcionário conta que sofreu assédio moral ao reclamar junto com outros colegas de trabalho sobre um corte salarial ocorrido em maio em relação a uma gratificação pelo cargo de confiança que exerciam na entidade. O grupo teria sido ameaçado de demissão em 6 de agosto de 2020, mesmo sendo concursado, caso deixasse a função comissionada.
"Houve ameaça de demissão por e-mail, que foi referente a uma função de confiança exercida com outros funcionários em uma comissão. Nos manifestamos que não seria correto o não pagamento, e abriríamos mão da função. Recebemos um e-mail dizendo que deveríamos continuar e que a recusa iria resultar em demissão", ratifica.
Já uma fiscal de 39 anos narra que apresentou atestado médico com o diagnóstico de síndrome de ansiedade em 2018 e que, mesmo com o laudo, sofreu uma sobrecarga de atividades laborais, resultando no agravamento do problema de saúde.
"Eu não queria me afastar, apenas resolver o meu problema. Estava com muitos processos acumulados por causa da minha síndrome de ansiedade. O médico deu a ideia de me colocar para trabalhar internamente, mas o conselho me deu mais trabalho para fazer. Tínhamos uma meta mensal de 14 a 20 processos para dar andamento em um mês, só que acabei recebendo oito por dia", diz a servidora.
"O que aconteceu comigo foi um assédio. Pedi uma atividade interna e de repente multiplicaram quase por cinco", complementa.
Um servidor também diz ter passado por constrangimento. Ele conta que trabalha desde 2009 na subsede do conselho, em São José dos Campos, onde constituiu família, mas que recebia constantes pressões para mudar para São Paulo. Em uma reunião, ocorrida em 31 de janeiro de 2020, o presidente teria sugerido até o divórcio do funcionário.
"Várias vezes eu fui convocado para trabalhar em São Paulo sem uma justificativa técnica. Pelo contrário. Ele começou a implicar comigo, principalmente quando estava com outras pessoas na mesma sala. Fazia questão de me constranger porque sabia que não poderia mudar de cidade por causa da família. Era meio que proposital, meio que forçando minha saída. Ele dizia para largar minha mulher e ir para São Paulo porque lá tinha um monte de mulher gostosa", relata.
O UOL teve acesso à gravação da reunião citada pelo funcionário. Nela, José Renato teria dito: "Tem umas peitudas e bundudas aqui. Deixa a mulher lá", enquanto os demais presentes na sala dão risadas. Dois servidores confirmaram que a voz é do ex-presidente.
Machismo e preconceito
Além dos casos de assédio, o presidente também é acusado por funcionários de machismo e racismo. O primeiro caso de preconceito teria acontecido em 2018, quando uma empresa terceirizada enviou recepcionistas pardas para trabalharem no prédio do conselho, no bairro Bela Vista, em São Paulo.
"A empresa mandou recepcionistas pardas. O presidente pediu para o responsável falar com a empresa para trocar as moças porque elas não teriam atendido aos requisitos de função e estética, deixando bem claro que estava relacionado à beleza das moças, pois queriam recepcionistas bonitas", declarou, ao UOL, um assistente administrativo de 36 anos que é testemunha no caso que tramita no MPT.
O UOL teve acesso a uma declaração registrada em cartório que sugere outra fala em tom machista. O declarante, que pediu para não ser identificado na reportagem, afirma no documento que "Dr. José Renato disse que queria uma estagiária 'loira bem gostosa'".
Como trabalhava no setor de recursos humanos, o mesmo funcionário conta que lembra assustado do caso de machismo recebido de uma funcionária demitida no início de 2020. Um ano antes, a mulher — que estava amamentando o filho de seis meses — sofreu constrangimento em uma reunião.
"Ela relatou para mim que um dia o presidente, na frente de outros diretores, perguntou se daria para eles mamarem. Dessa forma. Isso teria acontecido duas vezes enquanto estava amamentando", recorda o funcionário que também denunciou ao MPT o presidente.
Fisioterapeuta nega assédios
Em nota ao UOL, o ex-presidente José Renato de Oliveira afirma que não sabia do trâmite no MPT sobre supostos assédios eventualmente cometidos pela sua gestão.
"Desconhecemos o teor de tais investigações, pois não fomos acionados pelo Ministério Público do Trabalho. De antemão, repudiamos de forma veemente todas as acusações citadas. Elas são totalmente infundadas e inverídicas, feitas sobre a nossa gestão sem nenhuma prova ou evidência", garante.
O fisioterapeuta acrescenta que as acusações são reflexos do processo final do período eleitoral vigente no conselho.
"Estamos na reta final do processo eleitoral no Conselho e, lamentavelmente, essas ações têm o objetivo de manchar nossa imagem e desestabilizar nossa candidatura. Foi assim desde o resultado da eleição em 2016, quando o grupo derrotado passou a nos acusar incessantemente, fazendo várias denúncias ao Ministério Público do Trabalho e ao Ministério Público Federal. De mais de uma dezena de denúncias encaminhadas ao MPT e ao MPF, todas foram arquivadas".
"Por fim, ressaltamos que todas as medidas judiciais cabíveis estão sendo adotadas para o restabelecimento da verdade", completa.
O Conselho Nacional de Fisioterapia e Terapia Ocupacional (Confito) também foi procurado. A entidade prometeu responder à demanda, mas ainda não se manifestou.
Constrangimento é assédio, dizem MPT e especialistas
Para a procuradora do trabalho Adriane Reis, o assédio é caracterizado a partir do momento que o ato cerceia a atividade do funcionário durante o labor por meio de constrangimentos.
"O assédio moral se caracteriza por um conjunto de atos que produzem um efeito de constrangimento e humilhação na vítima que ferem direitos fundamentais", afirma.
A procuradora completa que existem diversas maneiras de o assédio ser concretizado. O funcionário deve se atentar e reunir o maior número de provas possíveis, como gravações de áudio, troca de e-mails, envios e recebimentos de mensagens e testemunhas.
"O assédio moral pode se manifestar por atos sutis, como o isolamento da vítima, ou agressões físicas. Ele também se manifesta pelo excesso de rigor, como retirada de equipamentos do trabalho ou até mesmo dificuldade de comunicação entre seus chefes ou colegas", explica.
"O assédio é a exposição do trabalhador a humilhações de forma continuada, quando o empregado é diminuído por questões pessoais. Um exemplo é quando o empregador trata com xingamento e taxa o trabalhador com termos pejorativos", acrescenta o advogado trabalhista Lucivaldo Costa.
Galliano Cei Neto, que também atua em causas relacionadas ao trabalho, frisa a necessidade de o empregado procurar todos os canais disponíveis para a denunciar. Além do MPT, é possível registrar o fato ao RH da empresa, nas ouvidorias de conselhos de classe e aos sindicatos.
"Entre as penalidades que podemos elencar é o recebimento de indenização por danos morais e a perda de função ou exercício da profissão em caso de Processos Administrativos. Dependendo da conduta, pode até se caracterizar crime", pontuou.
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