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Mega-assaltos no país levaram mais de R$ 500 milhões em cinco anos

Das 40 vítimas dos crimes, 29 eram policiais e moradores - Caio Marcello/Agif/Estadão
Das 40 vítimas dos crimes, 29 eram policiais e moradores Imagem: Caio Marcello/Agif/Estadão

Eduardo Militão

Do UOL, em Brasília

14/12/2020 04h09

Mega-assaltos a bancos e bases-fortes de empresas de guarda de valores no país levaram ao menos R$ 515 milhões nos últimos cinco anos. Além disso, 12 pessoas foram mortas — 5 suspeitos e 7 moradores ou policiais — e outras 28 ficaram feridas nessas ações criminosas.

É o que mostra levantamento do UOL sobre 26 crimes cometidos em 23 cidades do país desde novembro de 2015. Neste mês de dezembro de 2020, foram realizados ataques em Criciúma (SC) e em Cametá (PA), resultando um morto, três feridos e R$ 80 milhões roubados.

Todos os 26 assaltos têm em comum a modalidade de "domínio de cidades", uma evolução do chamado "novo cangaço". Criminosos fecham batalhões da Polícia Militar e as entradas das cidades, usam explosivos e portam armas pesadas, como fuzis capazes de derrubar tanques e aeronaves.

Após um pico em 2016, o número de ações desse tipo vinha caindo no Brasil, mas voltou a subir. Em 2020, foram cinco assaltos. Dos 26 roubos, apenas 5 foram malsucedidos.

Nos últimos três anos, uma mudança ocorreu. Os criminosos passaram a roubar menos bases-fortes de empresas de segurança, que representavam 81% dos alvos dos crimes até 2017, e priorizaram bancos tradicionais, principalmente o Banco do Brasil. O BB é responsável pela distribuição de dinheiro para outras instituições financeiras no interior e em cidades médias.

De 2018 para cá, 80% dos crimes foram contra bancos.

Mudança de alvo aumentou arrecadação

Ao mudarem de alvo, os criminosos conseguiram aumentar a lucratividade. A média de valor roubado subiu de R$ 19 milhões para R$ 21 milhões por assalto. E as cidades atingidas são menores agora. Metade delas não possui nem sequer 140 mil habitantes.

A maioria das cidades atacados em mega-assaltos está nas região Sudeste e Nordeste do país

Mesmo após consultar boletins de ocorrência, livros sobre o assunto e fontes policiais, o UOL não conseguiu informações sobre o valor declaradamente roubado de quatro assaltos. Os 26 eventos teriam rendido R$ 515 milhões aos criminosos, dos quais apenas R$ 92 milhões teriam sido recuperados, de acordo com os documentos e fontes consultadas.

Crime evoluiu, diz policial

Autor de um livro sobre o tema, o tenente-coronel da Polícia Militar de Mato Grosso Lucélio Martins França disse ao UOL que que os crimes estão mais lucrativos porque o "crime evoluiu". "Os criminosos estão evoluindo no sentido de correr menos riscos, ao tempo que tornam suas ações mais vantajosas", afirmou ele, que é organizador do livro "Alfa bravo: crimes violentos contra o patrimônio", lançado no mês passado. A diretora-executiva do Instituto Sou da Paz, Carolina Ricardo, concorda com ele.

Há um planejamento maior que faz com que esses assaltos sejam mais precisos e certeiros e consigam trazer uma grande monta de valores"
Carolina Ricardo, diretora do Instituto Sou da Paz

Carolina diz que a opção por cidades menores não é à toa. "Os bandidos já perceberam que as unidades de polícia especializada não ficam nas cidades pequenas ou médias."

Para França, os gestores da segurança pública não sabem como aplicar os conceitos de integração e inteligência para combater o crime. "Ter um plano de defesa ou contenção bem estruturado pode ser uma das poucas formas de prevenir e agir diante a essa modalidade criminosa."

Nova estratégia da PF

O coordenador de Repressão a Drogas, Armas e Facções Criminosas da Polícia Federal, Elvis Secco, se reúne nesta semana com o Conselho de Segurança de Transporte de Valores para definir uma nova estratégia de enfrentamento desse tipo de crime.

Secco afirmou que a PF e as polícias estaduais precisam agir em conjunto. "Vamos fazer reuniões para tentar traçar uma ação estratégica no Brasil. O que chama atenção desse monte de assalto...", disse ao UOL. "Não é uma ação que você tem como prevenir com o trabalho rotineiro de investigação. É necessária outra estratégia."

O promotor André Silvares, do Gaeco (Grupo de Atuação Especializada contra o Crime Organizado) do Ministério Público de Minas Gerais, defende endurecer a legislação para aumentar a punição aos criminosos mas sem mudar a lei de terrorismo.

Quatro líderes presos, dois soltos

No início do ano, uma operação integrada entre polícias estaduais prendeu José do Carmo Silvestre, o "Pintado". Considerado um dos maiores assaltantes do país, ele é suspeito de ter participado do roubo da Prosegur no Paraguai, na fronteira com Foz do Iguaçu (PR), em 2017, de onde foram levados R$ 47 milhões, uma pessoa foi morta e mais três ficaram feridas. Foragido havia 12 anos, Pintado estava na lista de criminosos mais procurados do país.

Também foi preso Diego Capistrano, suspeito de participar do mega-assalto à Prosegur de Ribeirão Preto (SP), um desfalque de R$ 51 milhões e que resultou em duas mortes. Conhecido como "o jovem", ele estava na lista de mais procurados do país. Luciano de Castro Oliveira, o "Zequinha", foi preso e é apontado como autor de roubos até de aeroportos. Outro detido foi Arnon Vieira, suspeito de adquirir e distribuir explosivos na região de Campinas.

Há pelos dois soltos na lista de mais procurados do país. Davi Marques do Santos é suspeito de participar do assalto no Paraguai. Charles Feliciano Batista também.

Ataques a carros-fortes e caixas eletrônicos caem

As empresas de guarda de valores sofreram dois assaltos a bases-fortes em 2018, mas ambos foram mal sucedidos. Os carros-fortes também sofreram menos: foram 17 assaltos este ano, contra 59 há cinco anos. A Associação Brasileira de Transporte de Valores (ABTV) disse que foram investidos R$ 400 milhões nos últimos anos para reforçar a segurança.

"Investimentos significativos foram feitos na estrutura das bases operacionais, que são regularmente vistoriadas pela Polícia Federal, e em treinamentos, inclusive simulações em parceria com as autoridades de segurança", afirmou a entidade em nota.

Sem separar o tipo dos roubos —com ou sem "domínio de cidades"—, a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) contabilizou 50 assaltos a agências de janeiro a outubro deste ano. Em 2015, foram 384. Entre 2015 e 2019, a quantidade de ataques a caixas eletrônicos caiu de 2.695 para 567. A Febraban entende que as quedas refletem investimento em segurança —- R$ 9 bilhões por ano, "o triplo" do que foi registrado dez anos atrás —- e "estreita parceria com governos, polícias e com o Poder Judiciário no combate à criminalidade".

O Banco do Brasil afirmou que "investe continuamente em soluções e mecanismos de segurança, sempre em conformidade com as legislações". A instituição destacou que "mantém permanente relacionamento com autoridades públicas dos setores de segurança e com as respectivas polícias".

Errata: este conteúdo foi atualizado
Diferentemente do informado, Luciano de Castro Oliveira, o "Zequinha", encontra-se preso, e não foragido. O texto foi corrigido.