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Organizações foram criadas para desviar dinheiro de creches em SP, diz PF

21.jan.2020 - Agentes da PF e da Receita Federal cumpriram mandados de busca e apreensão na manhã de hoje - Divulgação/PF
21.jan.2020 - Agentes da PF e da Receita Federal cumpriram mandados de busca e apreensão na manhã de hoje Imagem: Divulgação/PF

Ana Carla Bermúdez

Do UOL, em São Paulo

21/01/2021 13h27Atualizada em 21/01/2021 17h05

Pelo menos 36 OSCs (organizações da sociedade civil) foram criadas com o objetivo de desviar recursos públicos destinados para a educação infantil no município de São Paulo, segundo investigadores da PF (Polícia Federal).

Em conjunto com a Receita Federal, a PF deflagrou hoje uma operação para apurar supostos desvios de verba por meio de organizações que administravam creches conveniadas com a Prefeitura. Foram cumpridos 22 mandados de busca e apreensão. Os valores desviados devem ser superiores a R$ 14 milhões, segundo a polícia.

Em nota, a Secretaria Municipal de Educação informou que as 36 OSCs ligadas à investigação já haviam sido descredenciadas por uma série de irregularidades em 2019 —e que, desde então, as entidades não prestam mais serviços para a Prefeitura (veja mais abaixo).

O suposto esquema envolvia irregularidades na prestação de contas à Prefeitura —foram encontradas falsificações em guias de contribuição à Previdência Social e também discrepâncias entre os valores declarados como adquiridos e o que foi realmente fornecido por empresas que atendiam as organizações.

De acordo com as investigações, sócios de cinco escritórios de contabilidade criaram diferentes OSCs que, como parte de um programa da Prefeitura, passaram a fazer o gerenciamento de creches que já existiam. A polícia não identificou os investigados e nem forneceu o nome das unidades de ensino e das empresas.

"Observou-se que havia vínculo entre as empresas de contabilidade e as organizações da sociedade civil, que faziam o gerenciamento dessas creches, e também com as empresas que forneciam produtos para essas organizações", disse Marcelo Ivo de Carvalho, delegado regional de investigação e combate ao crime organizado em São Paulo.

"Havia vínculo entre parentes, entre empregados dessas empresas e organizações, o que demonstra um ajuste, uma organização voltada para a realização dessas fraudes", completou.

Como parte do convênio, a Prefeitura fica responsável por repassar três subsídios: um valor referente a cada aluno, uma verba para o aluguel do espaço e outra que diz respeito à alimentação.

Até o momento, segundo a PF, não foi identificado o envolvimento de qualquer agente político ou funcionário público no esquema. "Por enquanto, as investigações apontam para fraudes por parte desses escritórios de contabilidade, dessas empresas fornecedoras de produtos para as OSCs, e também os membros dessas OSCs, que estão todos interligados", disse Carvalho.

Já entre os fornecedores que atendiam as OSCs, foram identificados elementos "gravíssimos" que indicam superfaturamento, de acordo com a polícia. Uma das empresas, cuja atividade principal é a revenda de material de escritório e papelaria, comprou R$ 11 mil em carne em um período de quatro anos. A mesma empresa revendeu cerca de R$ 9 milhões para as OSCs.

Patrimônio 'expressivo' e carros de luxo

Os desvios aconteceram pelo menos desde dezembro de 2015 até meados de 2019, segundo a polícia. Nesse período, de acordo com os investigadores, dois principais investigados —e responsáveis pelos escritórios de contabilidade— tiveram um crescimento "expressivo" em patrimônios.

"Imóveis em condomínios fechados, carros de luxo. Nas redes sociais da mulher de um deles, há a informação da compra de uma Lamborghini", afirmou o delegado Divino Alves Caetano Neto. Segundo ele, em alguns casos, os bens estão em nome de terceiros.

A PF ainda não conseguiu identificar se os desvios tiveram reflexos na qualidade dos serviços prestados pelas OSCs, ou seja, nos trabalhos realizados pelas creches conveniadas. De acordo com a polícia, essa possibilidade será verificada durante as oitivas (audiências) na continuidade das investigações.

Prestação de contas de outras organizações

Os investigadores também não descartam que haja problemas na prestação de contas de outras OSCs que possuem convênio com a Prefeitura.

"Houve um corte [para investigação]. São muitas unidades, muitas organizações. Foram selecionadas, em um primeiro momento, as OSCs que recebiam um valor maior, para dar mais agilidade ao trabalho. Eventualmente, pode haver problemas na prestação de contas de outras organizações", disse Carvalho.

Prefeitura diz que descredenciou organizações em 2019

Em nota, a Secretaria Municipal de Educação informou que, durante fiscalização realizada em 2019, a Prefeitura identificou irregularidades em 131 entidades parceiras e determinou o desligamento imediato dessas organizações.

De acordo com a secretaria, algumas das entidades não apresentaram documentação e recolhimento trabalhistas em dia e outras fraudaram a prestação de contas.

"Na ação fiscalizatória, a Administração tomou medida de cautela e acionou a Polícia Federal para que a investigação fosse também realizada na instância criminal. A Secretaria forneceu documentos que possibilitaram o início das investigações. Portanto, desde 2019, todas as mantenedoras denunciadas hoje pela Polícia Federal não são mais prestadoras de serviço da Prefeitura", diz a nota da secretaria.

Segundo a pasta, não haverá descontinuidade no atendimento das crianças porque todas as entidades denunciadas e descredenciadas já foram substituídas.