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Locutora que lia obituários deixou gravado o anúncio da própria morte em MS

Aline Oliveira

Colaboração para o UOL, em Campo Grande (MS)

29/01/2021 07h37

Durante 55 anos, a voz de dona Vicentina Diniz, 77, narrou notícias, serviços de utilidade pública e obituários no município de Fátima do Sul, distante 246 km de Campo Grande (MS). Ela e o esposo montaram em 1964 um dos primeiros meios de comunicação da localidade, utilizando o serviço de alto-falante.

Mesmo depois de receber o diagnóstico de diabetes, a proprietária da Agência Comercial de Publicidade continuou trabalhando como radialista e só parou há cerca de dois anos quando a enfermidade se intensificou. Vicentina faleceu no dia 2 de janeiro, em decorrência de complicações da doença, e o colega de profissão, Leandro Santos, veiculou a nota de falecimento gravada pela própria comunicadora.

O UOL conversou com o jornalista, que contou como surgiu a ideia de gravar o obituário. "Eu convidei a Dona Vicentina para participar de um documentário, como forma de homenageá-la pelo pioneirismo na comunicação da cidade. Em um dado momento perguntei como seria quando ela partisse e quem faria a locução da notícia", relata.

Leandro acrescenta que no primeiro momento, a radialista citou nomes de alguns amigos, mas depois decidiu gravar a própria nota de falecimento. "Ela me pediu para guardar segredo e que só avisasse a família depois do falecimento. Foi o que aconteceu e realizei o desejo dela".

Na avaliação do comunicador, Vicentina foi um ícone da comunicação na região, já que grande parte da população tem lembranças do programa que mesclava música e utilidade pública.

"Comecei meu trabalho no rádio e posso dizer que Dona Vicentina foi uma inspiração. Ela sempre foi reconhecida pela garra e determinação, porque cuidou da família e deu continuidade ao trabalho iniciado pelo marido. Muitas pessoas se lembram dela anunciando o falecimento de algum familiar ou amigo", finaliza.

Pioneirismo na comunicação

A iniciativa criada por Vicentina e o esposo, Cleiton Diniz foi um marco na comunicação do município com mais de 19 mil habitantes e que se destaca na produção agropecuária sul-mato-grossense. Convidada para participar de um documentário em homenagem a Fátima do Sul, ela contou na ocasião sobre o início do serviço prestado.

"Meu marido, na época namorado, comprou o alto-falante do meu irmão e depois que nos casamos resolvi ajudá-lo e fazia locução. Tivemos serviço de propaganda volante (em carro) e também tínhamos programação musical. As pessoas ligavam e pediam para tocarmos música, além de solicitarem anúncios de animais domésticos e documentos perdidos, além das notas de falecimento", relatou no vídeo.

A filha, Soraya Diniz, 47 anos, conta que a energia da mãe era contagiante e um exemplo para a família. "Meu pai faleceu em 1997 e desde então minha mãe criou sozinha as três filhas, com o trabalho realizado com publicidade no alto-falante. Era uma pessoa alegre, batalhadora e sempre com sorriso no rosto", lembra emocionada.

Outra lembrança que a filha conta com orgulho é da mãe ter ganhado um concurso de miss 3ª idade, em 2014. "Minha mãe foi uma mulher à frente do tempo dela, determinada e amorosa. Apesar de todo sofrimento, me conforta ter cuidado dela até o final", conclui.