Topo

Governo de SP pagará R$ 30 mil a preso após "investigação atabalhoada"

Prédio do TJ-SP (Tribunal da Justiça de São Paulo), na praça da Sé, em São Paulo - Avener Prado/Folhapress
Prédio do TJ-SP (Tribunal da Justiça de São Paulo), na praça da Sé, em São Paulo Imagem: Avener Prado/Folhapress

Pedro Canário

Colaboração para o UOL, em São Paulo

03/03/2021 04h00Atualizada em 03/03/2021 15h11

O governo de São Paulo vai ter de pagar uma indenização de R$ 30 mil a um homem erroneamente identificado como autor de um roubo e preso preventivamente por um mês. Os motivos apontados pela Justiça foram erros na investigação.

Em decisão de 14 de dezembro, a 7ª Câmara de Direito Público do TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo) decidiu que o estado deve ser responsabilizado devido à "investigação atabalhoada" conduzida pela Polícia Civil. O termo foi usado no acórdão no voto do desembargador Magalhães Coelho.

No processo, a PGE-SP (Procuradoria-Geral de Estado de São Paulo) negou qualquer problema com a investigação. Disse que a atuação da polícia no caso "foi escorreita, sem qualquer abuso" e "nada forçou". A PGE-SP representa tanto a Polícia Civil quanto o governo de São Paulo no processo.

Em outubro de 2015, o homem foi identificado como um dos autores do roubo de um malote com R$ 40 mil do Consórcio Araraquara de Transportes (CTA), no interior paulista. Seu nome foi ocultado nesta reportagem para preservar sua identidade.

Ele foi apontado como um dos ladrões por um funcionário da empresa, que o reconheceu por foto e depois presencialmente, na delegacia.

Segundo a Defensoria Pública, a identificação não seguiu o que manda o Código de Processo Penal, já que o homem, negro, foi colocado ao lado de dois brancos. A lei diz que os suspeitos devem ser apresentados com pessoas de características físicas semelhantes.

O nome dele não foi mencionado na ligação feita ao Disque Denúncia e ninguém parecido com ele foi identificado nas imagens das câmeras de segurança da empresa.

Ainda assim, ele teve a prisão preventiva decretada em agosto de 2016, a pedido da polícia, pelo juiz Hélio Bendini Ravagnani, da 3ª Vara Criminal de Araraquara. Só foi solto no final do mês seguinte, pelo mesmo juiz, quando foi absolvido por falta de provas.

De acordo com petição enviada pela PGE-SP ao tribunal, o homem foi identificado pelo funcionário da CTA por usar costeletas e foi reconhecido em foto por outras testemunhas —que depois não o reconheceram no inquérito. Isso teria dado ao juiz "indícios suficientes de autoria e prova da materialidade", segundo a PGE.

O governo de São Paulo apresentou embargos de declaração contra a indenização, recurso que serve para esclarecer pontos. Os embargos ainda não foram julgados, mas não têm poder de alterar a decisão.

TJ: Não punir crimes "a qualquer custo"

A investigação foi criticada pelos desembargadores do TJ-SP. Magalhães Coelho, um dos que votaram pela condenação do estado de São Paulo, disse que, "muito embora os atos criminosos tenham de ser combatidos, investigados e, se possível, punidos, não se pode fazê-lo a qualquer custo e sem a observância da lei".

O recurso foi feito pela Defensoria Pública ao STJ (Superior Tribunal de Justiça). Em liminar, o ministro João Otávio de Noronha disse que o tribunal paulista apenas levou em conta a prisão preventiva e a posterior absolvição por falta de provas, ignorando a narração da Defensoria sobre os erros da investigação.

De fato, na primeira discussão do processo, em agosto de 2020, o tribunal seguiu o entendimento do desembargador Coimbra Schimdt.

Segundo ele, o fato de o homem ter sido absolvido por falta de provas "não desqualifica a acusação nem proclama o acusado inocente". "Em outras palavras, se não houve como afirmar a culpa, tampouco positivou-se inocência", completou.

Só que o pedido da Defensoria tinha foco na conduta da Polícia Civil durante o inquérito, e não no decreto da prisão preventiva. De acordo com o recurso, o homem ter sido apresentado ao lado de dois brancos teve influência direta na identificação errônea.

Na segunda decisão, de dezembro do ano passado, o TJ-SP definiu que o homem que receberá a indenização "foi privado ilegalmente de sua liberdade em razão de investigação criminal que, antes de observar a lei, pretendeu definir um culpado para o crime cometido".

O defensor público Matheus Raddi, responsável pelos pedidos de indenização, considera que o TJ criou um precedente importante.

A decisão reconhece a possibilidade de indenização quando se percebe que a prisão da pessoa decorreu de problemas na investigação policial, como falhas no reconhecimento do investigado na delegacia.
Matheus Raddi, defensor público

"A decisão assegura o direito de a pessoa ser indenizada quando a sua prisão decorrer da má prestação do serviço de polícia", afirma o defensor público.

Errata: este conteúdo foi atualizado
Diferentemente do que informou o terceiro parágrafo, o juiz não é réu na ação nem é defendido pela PGE-SP (Procuradoria-Geral de Estado de São Paulo). O texto foi corrigido.