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Páscoa 'de longe' e São Jorge antecipado: as celebrações no 2º ano de covid

Padre transmite missa de Páscoa de uma igreja vazia na Itália, em abril de 2020 - ALESSANDRO GAROFALO/REUTERS
Padre transmite missa de Páscoa de uma igreja vazia na Itália, em abril de 2020 Imagem: ALESSANDRO GAROFALO/REUTERS

Amanda Pinheiro

Colaboração para o UOL, no Rio

02/04/2021 04h00

Pelo segundo ano consecutivo, a Páscoa é celebrada em meio a medidas restritivas por causa da pandemia do novo coronavírus —sem almoço em família, troca de chocolates e festas com amigos. É a recomendação de médicos, cientistas e também de líderes religiosos.

Na tentativa de conter a alta de casos de covid-19, e de mortes e internações pela doença, prefeitos e governadores anteciparam feriados e emendaram com a Semana Santa, causando mudanças na comemoração de outras datas —como o dia de São Jorge, festejado no Rio de Janeiro.

Março foi o pior mês da pandemia no Brasil. Foram mais de 66 mil óbitos. Até então o recorde era de julho, com mais de 32 mil mortes. A escalada nos números começou no fim do ano, com os feriados de verão e as festas de fim de ano. Ontem, a média de mortes passou de 3 mil.

O estado de São Paulo permanece na fase emergencial do Plano São Paulo, a mais restritiva, com apenas serviços essenciais funcionando e uma espécie de toque de recolher à noite —igrejas e templos religiosos devem permanecer fechados. Alguns municípios decretaram medidas mais rígidas nos últimos dias. A capital decidiu antecipar cinco feriados, para emendar com a Semana Santa:

  • dois municipais de 2021 (Corpus Christi, previsto para 3 de junho, e Dia da Consciência Negra, em 20 de novembro)
  • três municipais de 2022 (fundação de São Paulo, 25 de janeiro; Corpus Christi, 16 de junho; e Dia da Consciência Negra, 20 de novembro)

O padre Rogério Félix Machado, 53, da Paróquia Espírito Santo, em São José dos Campos, interior de São Paulo, lamentou que as atividades não poderão ser realizadas presencialmente. Porém, no domingo mais importante para a igreja, o pároco vai percorrer as ruas da cidade em cima de um carro, com o ostensório (onde fica a hóstia), como uma procissão.

Segundo ano sem a Semana Santa presencial, o que entristece muita gente. Mas temos realizado nossas atividades virtualmente. No domingo passado, por exemplo, incentivamos que as famílias enfeitassem as casas com os ramos. Agora, na Páscoa, vou sair pelas ruas com o santíssimo sacramento. Assim, quem estiver em casa poderá participar desse momento.
Padre Rogério Félix Machado

De acordo com a Prefeitura de São José dos Campos, a cidade já registrou mais de 54.264 mil casos confirmados de covid-19 e 933 mortes e segue as medidas restritivas do Plano São Paulo, do governo estadual.

Padre Rogerio Felix Machado, de São José dos Campos (SP) - Douglas Cândido - Douglas Cândido
Padre Rogerio Felix Machado, de São José dos Campos (SP)
Imagem: Douglas Cândido

De março até agosto de 2020, a Paróquia Espírito Santo realizou as missas por meio de transmissões ao vivo. Porém, ainda em agosto, a igreja retornou com as atividades presenciais com 30% da capacidade, higienização e controle de acesso. Agora, as missas voltaram a ser online, segundo as medidas restritivas do governo estadual.

A assistente social Daniela de Sá, 41, contou que sempre frequenta as missas da Paróquia Espírito Santo junto com o marido e os filhos. Este ano, ela enfeitou a porta de sua casa com ramos e fez um cantinho de oração com uma cruz vazia, simbolizando a ressurreição de Cristo.

"Ano passado foi muito triste, pois nunca havíamos imaginado não podermos celebrar a ressurreição de Cristo. Algo que para nós, católicos, é fundamental em nossa fé", disse Daniela. "Na Páscoa, preparamos a casa para este momento de oração e reflexão. Mesmo que virtual, acompanhamos tudo. É o que nos motiva. Nossa casa se tornou a nossa igreja."

A CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) indica, no seu site, que a orientação é "evitar procissões ou qualquer tipo de ato que gere a aglomeração de fiéis, preservando assim a vida de cada um e, consequentemente, a saúde pública".

    No Rio, mais um ano sem a feijoada de São Jorge

    Todo dia 23 de abril é sinônimo de festa no Rio de Janeiro, pois é celebrado o dia de São Jorge que, junto com São Sebastião, é padroeiro do estado. No ano passado, não houve comemoração, ainda no começo da pandemia. Neste ano, o feriado foi antecipado para 30 de março, mas, em alguns lugares, as celebrações devem acontecer, de maneira adaptada, daqui a algumas semanas.

    O estado emendou dez dias de folga, para reduzir a circulação das pessoas. Nesse período, os cultos religiosos são permitidos, desde que respeitadas as medidas sanitárias. O Rio de Janeiro soma mais de 650 mil casos de covid-19 e 37 mil mortes.

    No Centro Espírita Casa de Oxalá, em Rocha Miranda, na zona norte do Rio, as celebrações de Páscoa e do dia de São Jorge que, na umbanda, é sincretizado com o Orixá Ogum, estão sendo programadas com adaptações.

    Segundo Vitor Fernandes, o Pai Vítor de Oxalá, a casa encerrou as atividades no início da pandemia e retomou no fim do ano passado. No retorno, ele reduziu a capacidade de frequentadores, obrigou o uso de máscara e espalhou álcool gel pelo local.

    "Percebi que as pessoas estavam necessitadas de cuidados espirituais, tanto que, quando voltamos, o número de frequentadores aumentou e precisei organizar para não ter problemas. Então, no sábado de Aleluia teremos gira de Exú com capacidade reduzida. E no dia 23, realizaremos a festa de Ogum", afirmou o pai de santo.

    Para pai Vitor de Oxalá, as pessoas precisavam de 'cuidados espirituais' - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
    Para pai Vitor de Oxalá, as pessoas precisavam de 'cuidados espirituais'
    Imagem: Arquivo pessoal

    Mariana Tupynambá, frequentadora da casa, contou que todos os anos ela e a família fazem uma feijoada para Ogum, além de celebrações com almoços e reuniões na Semana Santa. A corretora de seguros acredita que, apesar de ir ao centro espírita, desta vez, será diferente.

    "Na Sexta-feira Santa, eu fico no terreiro, depois eu e minha família fazemos um almoço. No dia 23, costumamos ir à igreja de São Jorge e realizamos a feijoada de Ogum, que costuma ser aberta, mas agora será entre a família que mora comigo", disse.

    O babalorixá Aristides Mascarenhas, presidente da Federação Nacional do Culto Afro-Brasileiro, recomenda que os centros não realizem as festas de Ogum e Oxóssi (como São Jorge é cultuado na Bahia).

    Por enquanto, aconselho a fazer as obrigações internas, sem as reuniões e atividades de costume, porque atrai muitas pessoas e, consequentemente, gera aglomeração. É um momento muito delicado, que devemos ter cuidado, manter o distanciamento social, usar máscara, álcool em gel e pedir proteção.
    Babalorixá Aristides Mascarenhas

    Comemorações devem ser feitas em casa

    Para a epidemiologista Gulnar Azevedo, pesquisadora e professora do Instituto de Medicina Social da UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro), o recesso emergencial só será eficiente com fiscalização.

    "O encontro de pessoas, mesmo que de famílias diferentes, pode aumentar a transmissão do vírus. Então só faz sentido decretar feriados, ampliar o número de dias que as pessoas não precisem trabalhar se as medidas forem seguidas, fiscalizadas e com comunicação para que a população entenda que é necessário ficar em casa", disse.

    Além das medidas das autoridades, especialistas reforçam que é necessário um esforço pessoal, para evitar aglomerações.

    Nós pedimos e vou pedir mais uma vez, não pode ter Páscoa, não pode ter festas, não pode ter aglomerações, não pode ter cerimônias de famílias, não pode ter festa de aniversário, não pode ter nada.
    Margareth Dalcolmo, pesquisadora da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz)