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Levantamento indica 14 monumentos alvos de contestação na cidade de SP

O Monumento às Bandeiras, de Victor Brecheret, está localizado no Parque Ibirapuera, em São Paulo, e representa os bandeirantes que desbravaram o país no período colonial. Pode-se observar portugueses, negros, mamelucos e índios puxando uma canoa de monções. Foi inaugurada durante as comemorações do 4º Centenário da cidade de São Paulo, em 1953 - Divulgação
O Monumento às Bandeiras, de Victor Brecheret, está localizado no Parque Ibirapuera, em São Paulo, e representa os bandeirantes que desbravaram o país no período colonial. Pode-se observar portugueses, negros, mamelucos e índios puxando uma canoa de monções. Foi inaugurada durante as comemorações do 4º Centenário da cidade de São Paulo, em 1953 Imagem: Divulgação

Colaboração para o UOL, em São Paulo

30/07/2021 04h00Atualizada em 05/08/2021 11h52

A cidade de São Paulo tem 380 obras de arte e monumentos em espaços públicos municipais, segundo a prefeitura. Levantamento do Instituto Pólis, realizado no ano passado, indica que pelo menos 14 são contestados por movimentos sociais por causa das narrativas que constroem, incluindo a estátua de Borba Gato, que fica em Santo Amaro, na zona sul, e foi incendiada no último sábado (24).

Na lista, ainda entram o Monumento às Bandeiras e estátuas de Padre Anchieta, Duque de Caxias e Pedro Álvares Cabral (veja mais abaixo). A maior parte tem a história ligada à colonização.

O grupo Revolução Periférica assumiu a autoria do incêndio à estátua de Borba Gato. O entregador de aplicativos e ativista Paulo Roberto da Silva Lima, conhecido como Galo, admitiu participação. Quando foi preso, disse que o objetivo era "abrir debate".

Os protestos contra monumentos e esculturas em espaços públicos ficaram mais fortes em diversos países em 2020, após as manifestações antirracistas nos Estados Unidos, motivadas pela morte de George Floyd.

Por aqui, projetos de lei tramitam na Câmara Municipal de São Paulo, na Assembleia Legislativa paulista e também no Congresso, em Brasília, para discutir a reparação dos monumentos que fazem referência a personagens e momentos controversos da história. No entanto, nenhuma lei foi aprovada até agora.

Os monumentos alvos de contestação na capital paulista, de acordo com o Instituto Pólis, são:

  • Monumento ao Anhanguera (na avenida Paulista)
  • Cruz de Anchieta (em Santo Amaro, zona sul)
  • Monumento às bandeiras (em frente ao Ibirapuera, na zona sul)
  • Duque de Caxias (na praça Princesa Isabel, no centro)
  • Borba Gato (em Santo Amaro, zona sul)
  • Fundadores de São Paulo (Páteo do Colégio, no centro)
  • Governador Abreu Sodré (praça da Liberdade, no centro)
  • Carlos Botelho (parque da Aclimação, na zona sul)
  • Monumento a Augusto César (largo do Arouche, no centro)
  • Cristóvão Colombo (praça Panamericana - Alto de Pinheiros)
  • Duas estátuas de Pedro Álvares Cabral (a mais conhecida no Ibirapuera, zona sul)
  • Duas estátuas de Padre Anchieta (a mais conhecida na praça da Sé, no centro)

A escolha de um monumento na cidade

O UOL Explica que, hoje, cabe à Secretaria Municipal de Cultura e ao DPH (Departamento do Patrimônio Histórico) a aprovação de toda instalação de monumentos nos espaços públicos da cidade, sejam doados ou comprados.

O DPH foi criado em 1975. Um decreto de abril de 2002 criou uma comissão para avaliar os assuntos relativos a estas obras e monumentos artísticos. Em 2010, o texto foi atualizado —e definiu que a comissão deve ter cinco pessoas, incluindo um membro da sociedade civil.

Mas há muitos monumentos anteriores ao DPH.

Para a historiadora e antropóloga brasileira Lilia Schwarcz, antes disso, a decisão variava muito de acordo com a época e os diferentes contextos. "Precisaria de uma pesquisa minuciosa, mas, no período histórico de criação destas obras [como Borba Gato], a decisão era a própria vontade da gestão pública", afirma. Mesmo que a vontade fosse apenas de um gestor, sem passar por outros trâmites burocráticos.

A estátua de Borba Gato, assim como o Monumento às Bandeiras, já havia sido alvo de protestos. Os dois enaltecem a figura dos bandeirantes. Segundo obras como "Vida e Morte do Bandeirante", de Alcântara Machado, de 1929, Borba Gato fez parte do grupo de bandeirantes paulistas que exploraram territórios no interior do país, capturando e escravizando indígenas e negros entre os séculos 16 e 17.

A educadora do Instituto Pólis Cássia Caneco conta que a construção dos monumentos paulistanos, que remontam, em sua maioria, à década de 1960, foi nutrida pelo sentimento de mostrar uma São Paulo branca, europeia e colonizadora. "Qual a intenção de determinadas histórias e o que querem guardar para o futuro? Essas figuras são postas no meio do passeio público e deveriam ser melhores debatidas e conversadas", diz.

O mapeamento do Instituto Pólis enumera 367 monumentos —deste total, 137 fazem alusão a homens brancos e 18, a mulheres. A representatividade negra e indígena é ainda menor: são quatro homens negros e apenas uma mulher; e os quatro monumentos indígenas são de figura masculina.

Para Lilia Schwarcz, esse é o resultado da própria história brasileira, que não é inclusiva. "Deixa de lado outros povos: população negra, indígena, ribeirinha, quilombola e as mulheres. Isso passa para a política pública de patrimônio que aparece nos monumentos, nos nomes de ruas e avenidas", diz.

A história é feita de pouca lembrança e muito esquecimento"
Lilia Schwarcz, historiadora

Para Lilia, é preciso lidar com os "traumas" implícitos nessas representações e enxergar que são exaltadoras e não levam à consciência crítica. "Bandeirantes foram representados com imagem romântica. Eles foram desbravadores, mas foram também aprisionadores de escravos e indígenas fugidos", avalia.

Para ela, é possível "reutilizar" monumentos e continuar contando a história através deles. "Eles podem ser retirados e colocados em museus, explicando o porquê foram retirados; outros devem receber monumentos ao lado, tencionando a verdade; ou podem receber iluminação, como fez no Ibirapuera."

Mas a desproporção da representatividade não está só na quantidade das obra: o tamanho das esculturas, quantidade de materiais usados e a disposição territorial deles ajudam a reforçar uma história branca e europeia.

Algumas esculturas da capital são elogiadas por artistas e historiadores, mas não têm tanta visibilidade. Conheça três delas:

  • Mãe Preta, 1955

Fica no Largo do Paissandú, centro de São Paulo, e é a única escultura de mulher negra na cidade. Curiosamente, foi construída pelo mesmo artista de Borba Gato: Júlio Guerra. "No entanto, Borba Gato é uma obra de 13 metros de altura, imponente, localizada entre duas vias de acesso entre o centro e a Periferia. Já Mãe Preta é menor [3,64 metros], desproporcional, a cabeça menor e pés grandes, e feições animalizadas. E, como se já não bastasse, ela está com uma criança branca no colo", diz Cássia.

Ela pondera que não é um problema que a obra exista, porque também faz parte da nossa história. "A questão é que essa não pode ser a única narrativa contada."

Estátua da Mãe Preta, no Largo do Paissandu, no centro - Ricardo Matsukawa/ UOL - Ricardo Matsukawa/ UOL
Estátua da Mãe Preta, no Largo do Paissandu, no centro
Imagem: Ricardo Matsukawa/ UOL
  • Luiz Gama, 1931

É o primeiro monumento de um líder negro da história do Brasil que ganhou o espaço público da cidade. Localizado no Largo do Arouche, no centro, foi construído por Yolando Mallozzi, em 1931. É bem menor que a estátua de Borba Gato: tem 3,4 metros de altura.

Busto do jornalista e abolicionista Luiz Gama, no Largo do Arouche - Keiny Andrade/UOL - Keiny Andrade/UOL
Busto do jornalista e abolicionista Luiz Gama, no Largo do Arouche
Imagem: Keiny Andrade/UOL
  • Zumbi dos Palmares, 2016

Instalada na Praça Antônio Prado, onde antes ficava a igreja Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos, no centro, a homenagem a Zumbi dos Palmares foi feita por um artista negro, José Maria Ferreira dos Santos.

A estátua de Zumbi dos Palmares, no centro da capital - Keiny Andrade/UOL - Keiny Andrade/UOL
A estátua de Zumbi dos Palmares, no centro da capital
Imagem: Keiny Andrade/UOL