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Cracolândia: Doação de almoço é barrada novamente, diz Julio Lancellotti

Padre Júlio Lancellotti  - Ari Paleta/Sindicado dos Metalúrgicos do ABC/Divulgação
Padre Júlio Lancellotti Imagem: Ari Paleta/Sindicado dos Metalúrgicos do ABC/Divulgação

Heloísa Barrense

Do UOL, em São Paulo

08/08/2021 18h51

Após ação da Polícia Militar na tarde de ontem, foi a vez da GCM (Guarda Civil Metropolitana) fechar hoje a região da Luz, conhecida como Cracolândia, em São Paulo, barrando a entrada dos voluntários da Pastoral do Povo da Rua. De acordo com o Padre Júlio Lancellotti, coordenador da organização, a equipe conseguiu realizar as doações apenas em frente à Sala São Paulo.

"Eles cercaram tudo. Normalmente eles fazem o que chamam de 'limpeza' às 15h. A nossa equipe chegou às 13h30 e já estava tudo cercado e cada hora era uma justificativa diferente", explicou o padre ao UOL.

"Não deixaram passar em nenhuma das entradas e não deixavam entrar nem alimento, nem água. Nossa equipe conseguiu fazer a doação apenas na frente da Sala São Paulo."

Segundo o Pe. Lancellotti, além da Pastoral do Povo de Rua, hoje havia voluntários de uma Igreja Evangélica que também foram impedidos de prestar auxílio à população da região. "Pensam que se eles [população em situação de rua] ficarem com fome, vão embora. Isso não acontece", defende.

O coordenador da Pastoral ainda informou que, durante as doações, os policiais deixaram as pessoas saírem do cerco para serem beneficiados com a alimentação, mas que não foram permitidos de voltar. "É um raciocino muito raso de punição."

Apesar do impedimento consecutivo, a Pastoral do Povo da Rua pretende continuar com o trabalho. "Essas questões não são fatos isolados. Elas fazem parte de uma estratégia, eles querem esvaziar o local, mas é uma estratégia equivocada. As pessoas não estão lá porque é agradável."

A situação registrada ontem repercutiu nas redes sociais e a deputada estadual Janaina Paschoal (PSL-SP) criticou a ação da Pastoral defendendo que a distribuição de comida na Cracolândia "só ajuda o crime" e que as pessoas da região "não aguentam mais".

Para Lancellotti, a fala da deputada joga um olhar equivocado à situação vivida no local.

"A questão que mantém [a Cracolândia] é a corrupção. Tem muita gente que ganha em cima daquilo. Quem ganha dinheiro ali, não são os que estão ali. E as autoridades ficam usando estratégias equivocadas, porque essa estratégica de atacar os usuários já foi usada inúmeras vezes por diferentes administrações e nunca deu certo. Minha pergunta é: quando você usa uma estratégia e não dá certo, o que você faz? Muda de estratégia. Eles não mudam."

Com uma atuação com a população em situação de rua há décadas, o Pe. Lancellotti diz que a doação de marmitas na região da Cracolândia vai muito além do fim de alimentar.

"O que a gente procura é estabelecer vínculo, começar a construir possibilidades. A gente não sabe a potencialidade de cada um de pronto, qual é o dano que cada um carrega. Ali não são todos iguais. Já encontrei médico, pessoas de diferentes níveis sociais. Através das doações, nós vamos estabelecendo vínculos e tirando pessoas que estão lá."

Ainda, segundo o padre, o crescimento da população na Cracolândia vem aumentando. Ele diz que já encontrou até mesmo pessoas de outras nacionalidades, como da Tanzânia e da África do Sul. "Aumentou o número de pessoas porque é o único lugar que eles são acolhidos. A Cracolândia está agonizando nesses últimos tempos."

Pe. Lancellotti ainda critica a atuação das autoridades frente ao cenário. "As respostas desumanas vão desumanizando as pessoas", diz. "São seres humanos, ainda que estejam numa situação inadequada. Não estamos para julgá-los, temos que apoiar e sustentar a vida deles para que eles possam superar os desafios e dificuldades e seguir. Não podemos gerar ainda mais dificuldades para que eles fiquem asfixiados."

No final da noite de hoje, o pároco postou um vídeo nas redes sociais agradecendo o apoio que recebeu pelas ações. "Nosso objetivo não é distribuir comida, é ser alimento, força e esperança para aqueles que estão esquecidos, marginalizados, descartados e excluídos. Não neguemos nem o pão nem o coração para ninguém", disse Lancelotti.

Ação de segurança

Em nota, a SSP-SP (Secretária de Segurança Pública) informou que "as forças de segurança paulista atuam diariamente no centro da cidade de São Paulo, inclusive na região da Nova Luz, para garantir a segurança da população e combater todas as modalidades criminosas."

O comunicado, motivado pelo bloqueio realizado ontem, ainda cita que a PM realiza no local policiamento "preventivo e ostensivo", com bases comunitárias móveis, radiopatrulhamento e uso de drones "para mapear a área e traçar novas ações".

A secretaria ainda disse que a Policia Civil também atua no local, em cumprimento de operações contra o tráfico de drogas.

"As polícias paulistas são instituições legalistas, que respeitam e obedecem ao Art. 5°, inciso, XV, da Constituição Federal: é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens", diz a nota.

A SSP-SP ainda afirmou que "de qualquer forma, a Corregedoria da instituição está à disposição para receber todas as denúncias com relação às abordagens policiais."

O UOL entrou em contato com a prefeitura de São Paulo para abordar o novo bloqueio. Em nota, a Secretaria Municipal de Segurança Urbana informou que "após verificado o sistema, não constou nenhuma ação da GCM com relação ao caso apontado, não sendo de conhecimento o impedimento de entrega de doações."