Topo

Fome, mortes e destruição: cidade baiana mais afetada vê cenário de guerra

Carlos Madeiro

Colaboração para o UOL, em Maceió

14/12/2021 04h00Atualizada em 14/12/2021 10h38

As águas do rio do Prado, no povoado de Nova Alegria, no município de Itamaraju, baixaram entre domingo e ontem, após uma chuva sem precedentes na região sul da Bahia na semana passada.

O município, depois desse tempo submerso, parece o cenário de um local que passou por um bombardeio de guerra, com mortes, crianças isoladas com fome e destruição de imóveis.

De acordo com dados do Inema (Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos da Bahia) obtidos pelo UOL, a cidade a 750 km de Salvador foi a mais atingida pelo temporal. Registrou em apenas 24 horas pelo menos 58% a mais do que a média de chuvas para o mês de dezembro. A prefeitura decretou estado de calamidade pública.

Somente na quarta-feira (8) foram registrados 315,6 milímetros de chuva. O volume médio histórico de precipitações no mês de dezembro na cidade fica entre 175 e 200 milímetros. Nos dois dias seguintes à quarta-feira, mais 167 milímetros de chuva caíram, ajudando a aumentar a destruição.

Cada milímetro de chuva equivale a um litro de água por m². Na cidade, segundo a Defesa Civil, três pessoas morreram, de um total de onze óbitos no estado. Segundo a Defesa Civil da Bahia, 267 pessoas ficaram feridas e mais de 21 mil tiveram de deixar suas casas no estado por conta das chuvas.

Saiba como ajudar vítimas das chuvas na Bahia.

O tenente-coronel Valdir Ferreira Júnior, do Corpo de Bombeiros da Bahia, comandou as operações de resgate por terra em Itamaraju e Jucuruçu, os dois municípios mais afetados. Ele conta que o cenário foi devastador.

"Nunca houve uma chuva dessas, é sem precedente nessa região. A visão que temos é de uma tragédia. Só quem passou ou está lá consegue perceber o tamanho do que houve", afirmou ao UOL.

Ele contou que, em Itamaraju, muitos distritos foram afetados, com pontes de acesso destruídas —e que estão passando por processo de recuperação. "Temos ainda algumas comunidades isoladas", diz.

Pessoas se abraçam após chegada dos bombeiros em Itamaraju Imagem: Valdir Ferreira Júnior/Corpo de Bombeiros da Bahia

Resgate difícil

Segundo ele, as chuvas causaram estragos aos acessos terrestres e, por algumas horas de quarta e quinta-feira, impediram a chegada do socorro. "Foram 36 horas ininterruptas de operação até conseguirmos chegar ao município de Jucuruçu, que ficou isolado. Em muitos momentos tentamos levantar voo, mas não houve visibilidade e tivemos de esperar", conta.

O militar diz que os bombeiros só conseguiram acesso por terra ao distrito de Nova Alegria. "Antes disso tivemos apenas equipe que chegou por aeronave. Quando conseguimos chegar a um local isolado, fizemos buscas, transporte de mulheres grávidas e montamos uma base de socorro. A partir disso fizemos os resgates, salvamentos e distribuição de alimentos", explica o tenente-coronel.

Uma das coisas que chamou a atenção dos bombeiros é que havia pessoas relatando fome após dois dias isolados.

Encontramos, por exemplo, crianças sem alimento. Sem comunicação, visualizamos algumas famílias nessa condição. É uma situação crítica, e deixamos uma equipe lá, junto com a população. O cenário estava tão difícil que pessoas idosas tiveram morte natural e não houve médicos para irem lá atestar o óbito."
Tenente-coronel Valdir Júnior

Rio do Prado alagou casas e deixou Nova Alegria destruída Imagem: Valdir Ferreira Júnior/Corpo de Bombeiros da Bahia

Para o bombeiro, uma das coisas mais gratificantes foi ver a rede de solidariedade.

"Aqui em Itamaraju uma mulher grávida resgatada está na casa de uma pessoa. Tivemos servidores de outras atividades que foram ajudar os bombeiros; outros foram cuidar de animais. Nós estamos aqui e só vamos sair quando a cidade tiver recuperado uma situação de normalidade", afirma.

Destruição após rio baixar

O prefeito de Itamaraju, Marcelo Angenica (PSDB), afirma que cerca de 150 casas foram destruídas com a chuva, além de danos em ruas, praças e prédios públicos. O prejuízo estimado pela prefeitura é de pelo menos R$ 40 milhões.

Bombeiros fazem buscas em Nova Alegria Imagem: Valdir Ferreira Júnior/Corpo de Bombeiros da Bahia

O UOL recebeu vídeos de moradores do distrito de Nova Alegria em redes sociais que mostram o tamanho da destruição causada pela subida de nível do rio do Prado.

A escola Walter Carvalho, por exemplo, foi totalmente destruída. "Só restou uma pequena parte do lado", conta uma funcionária do local, às lágrimas, filmando o prédio. No vídeo é possível ver bancas e mesas soterradas sob os escombros.

Outros vídeos mostram dezenas de casas totalmente ou parcialmente destruídas com a inundação. "Perdi tudo o que tinha", relata outro morador em vídeo.

A atendente de caixa Julia Cristina dos Santos mora no local e diz que a situação no distrito é terrível. "A família por parte do meu pai perdeu tudo. Lá, 80% dos moradores também perderam tudo", diz.

Chuva histórica foi soma de eventos

A meteorologista do Inema Maryfrance Diniz afirma que dois fenômenos ocorreram de forma simultânea para que tamanha chuva caísse no município.

"O que aconteceu neste ano foi que a umidade vinda do corredor da Amazônia veio de forma intensa e alinhou com uma frente fria vinda do oceano, o que gerou acabou gerando muita nebulosidade e chuvas mais intensas", diz.

Ela explica que esta época do ano é o período mais chuvoso na região sul da Bahia e alerta que mais chuvas são esperadas para a quinzena final de dezembro.

A chuva vai dar uma trégua até o dia 15, mas depois ela começa a se intensificar de novo. As chuvas devem se espalhar por todo o estado, estamos observando tudo atentamente."
Maryfrance Diniz, meteorologista

Trecho da rodovia BA-489 destruído pela chuva Imagem: Governo da Bahia

Ela alerta ainda que, com o excesso de chuvas ocorrido na semana passada, o solo já desgastado apresenta problemas e tem pouca capacidade de suportar grandes quantidades de água.

"O solo está superencharcado e, mesmo que a chuva diminua, até 10, 20 milímetros deixa esse solo solto. Qualquer chuvinha pode se tornar perigosa para a sociedade", afirma.

Errata: este conteúdo foi atualizado
Diferentemente do informado, a cidade de Itamaraju fica a 750 km de Salvador, e não a 467 km. O texto foi corrigido.

Comunicar erro

Comunique à Redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:

Fome, mortes e destruição: cidade baiana mais afetada vê cenário de guerra - UOL

Obs: Link e título da página são enviados automaticamente ao UOL

Ao prosseguir você concorda com nossa Política de Privacidade


Cotidiano