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Mansões, turismo e falta de fiscalização: o que há por trás de Capitólio

Momento em que pedra se desprende e cai de cânion em Capitólio (MG) Imagem: Reprodução/Twitter

Ana Paula Bimbati e Juliana Arreguy

Do UOL, em São Paulo

16/01/2022 04h00Atualizada em 20/07/2022 16h47

De um lado, turismo intenso, casas de alto padrão e passeios de lancha. Do outro, a falta de consenso sobre quem é o responsável por fiscalizar as paisagens que rodeiam o lago artificial de Furnas, palco da tragédia que matou dez pessoas em Capitólio (MG), com o desmoronamento de uma rocha na semana passada.

O UOL procurou o governo estadual, a empresa Eletrobrás Furnas e a Alago (Associação dos Municípios do Lago de Furnas), formada pelas cidades no entorno da região conhecida como "Mar de Minas". Todos eles informaram que não são responsáveis pela área.

O prefeito de Capitólio, Cristiano Geraldo da Silva, disse na semana passada que nunca foi feito um estudo de análise de risco geológico na região. "Acredito, assim, que para a gente olhar dentro de uma tragédia e fazer um questionamento desse não seria virtuoso. Daqui para frente, sim, a gente precisa fazer uma análise dessa", afirmou.

Nas investigações da Polícia Civil, as autoridades não conseguiram concluir ainda quem seriam os principais responsáveis pela fiscalização.

A PNPDEC (Política Nacional de Proteção e Defesa Civil), instituída pela lei 12.608/2012, prevê a responsabilidade de tomadas de decisões de reordenamento e de revisão de desastres.

"Municípios e estados devem identificar as áreas de riscos, precisam promover identificação dessas áreas, as vulnerabilidades e cabe ao município promover as fiscalizações da área de risco", explica Estefânia Fernandes, professora de hidrogeologia na UFOP (Universidade Federal de Ouro Preto).

Resta saber, no entanto, se a região dos cânions é considerada uma área de risco. "Se é uma APP [área de proteção permanente] a responsabilidade é do governo do estado, que deve monitorar as áreas. Se é um terreno privado é de responsabilidade do dono do terreno", diz Fernandes.

8.jan.2013 - Vertedouro fechado da represa hidrelétrica de Furnas Imagem: Márcia Ribeiro - 8.jan.2013/Folhapress

O delegado Marcos Pimenta, responsável por presidir a investigação sobre as causas do acidente, disse em entrevista ontem que o foco não era procurar culpados, "mas sim respostas".

Em nota, o governo de Minas Gerais se limitou a dizer que área de navegação é de competência da Marinha e que "somente após a conclusão das investigações" as eventuais causas poderão ser apontadas. O governo não respondeu aos questionamentos da reportagem sobre a quem cabe fiscalizar as áreas que não são de navegação.

A Eletrobrás Furnas diz que usa o lago para geração de energia e que não é responsável pela "gestão dos usos múltiplos do reservatório, como atividades de turismo e lazer".

A empresa garante ainda que cumpre "estritamente" as determinações dos órgãos reguladores, "responsáveis por planejar e operar o conjunto de reservatórios brasileiros de forma integrada". No entanto, não informou à reportagem quais seriam esses órgãos, nem a frequência que presta esclarecimentos.

Imagem: Arte/UOL

O que é o lago de Furnas?

Com mais de cem quilômetros de extensão, a região é conhecida pela lagoa artificial formada a partir da hidrelétrica de Furnas, que utiliza o curso de água do Rio Grande para geração de energia.

A estatal foi criada na década de 1950 pelo ex-presidente Juscelino Kubitschek e hoje atua por meio de um consórcio, com participação da iniciativa privada, não só em Minas, mas também em outros 15 estados e mais o Distrito Federal.

A lagoa, especificamente, tornou-se um destino turístico pelas cachoeiras, paisagens naturais e possibilidade de passeios de lancha e jet-ski. Trata-se de uma área cercada por 39 cidades, que integram a Alago, associação criada para atuar na preservação local.

No entanto, a atuação não se estende à vistoria dos elementos que compõem a paisagem.

"Realmente, esta discussão de responsabilidade aflorou nesse momento de tragédia, mas ainda não se tem um consenso de quem deve ser", disse ao UOL o secretário-executivo da Alago e vice-presidente da bacia hidrográfica de Furnas, Fausto Costa.

Costa entende que isso não deve cair na conta das 39 prefeituras, já que elas "não têm a propriedade do local".

Imagem aérea do Lago de Furnas, em Capitólio, Minas Gerais Imagem: Getty Images/iStockphoto

O que pode ter provocado a tragédia

Uma análise completa e segura do que pode ter ocasionado o desmoronamento da rocha em Capitólio só poderá ser feita após a conclusão do inquérito, afirma a professora da UFOP. Fernandes explica que algumas hipóteses podem ser estudadas como o "desplacamento natural" da rocha.

O cânion, segundo ela, é uma formação natural de centenas de milhares de anos, que passa por diferentes processos, além de alterações climáticas. "Em fotos divulgadas antes do desplacamento era possível ver que a base do maciço parecia oca no pé, que faltavam alguns blocos e esses blocos caíram e deixou [a estrutura] instável", diz a professora.

A cabeça d'água (quando uma forte chuva cai em determinado local) que descia na cachoeira diminuiu, o que possibilitou que mais barcos chegassem na região. "Acredito que a pressão dessa água promoveu trepidação, aumento de energia e isso pode ter acelerado a instabilidade do maciço", explica Fernandes.

Para a professora, não é possível evitar um acidente natural com "corpos sólidos", pois não existe tecnologia para prever horário ou dia do acontecimento. Cabe, porém, ao responsável fazer a identificação e o zoneamento da área de risco.

É preciso colocar na balança, ver qual é a verba disponível, se o ideal é isolar a área, como aconteceu no Véu das Noivas, um acidente parecido, onde hoje é proibida a entrada na cachoeira pela parte de baixo."
Estefânia Fernandes, professora de Geologia da UFOP

Segundo a Sociedade Brasileira de Geologia, o Brasil ocupou na última década o 5º lugar entre os países do mundo em número de vítimas associadas a eventos geológicos ou geotécnicos. Foram mais de 41 milhões de pessoas afetadas e 42 eventos de grande magnitude registrados.

A sociedade disse, em nota, que o caso de Capitólio "expõe um grave problema" do país: a falta de "laudos geológicos e geotécnicos para identificar e tipificar" possíveis riscos. Além disso, os estudos podem determinar as restrições de uso e os procedimentos de segurança.

Chapada de Guimarães

Em 2008, um acidente parecido com o de Capitólio aconteceu na cachoeira do Véu da Noiva, no Parque Nacional de Chapada dos Guimarães (60 km de Cuiabá), no Mato Grosso. O desplacamento da rocha deixou quatro pessoas feridas e uma adolescente morreu.

"O desplacamento não atingiu as pessoas, mas o ricocheteio das pedras atingiu o grupo de turistas. Hoje o local é um geoparque, tem um mapeamento geológico e as pessoas não podem mais acessar a cachoeira pela parte de baixo", explica a professora da UFOP.

Em Capitólio, segundo Fernandes, não bastava só não estar perto, mas ter uma zona de proteção para que, quando os pedaços se partissem, não atingissem ninguém.

Diária de casa no bairro luxuoso de Escarpas do Lago custa pelo menos R$ 12,5 mil Imagem: Divulgação/Airbnb

Região é turística e também abriga casas de alto padrão

Com cerca de 8,6 mil habitantes, Capitólio quadruplica a sua população na alta temporada ou em feriados. Na plataforma Airbnb, há passeios de lancha que cobram R$ 190 por pessoa para visitar o cânion. Outras agências consultadas pela reportagem cobram entre R$ 170 e R$ 200 pelos passeios —o preço é definido pelo tempo de duração.

Especialistas avaliam que havia um descontrole das atividades turísticas no local onde ocorreu o acidente: congestionamento de lanchas, barcos circulando de ré, passageiros sem coletes salva-vidas e músicas altas nas embarcações, o que pode ter levado alguns guias a não ouvirem os gritos para interromper os passeios no momento em que a estrutura rochosa caiu.

Além do turismo, a área também abriga condomínios de luxo e casas de alto padrão, com moradores que circulam pelo lago em barcos, lanchas e jet ski. A moto aquática é um dos atrativos da área, levando a prefeitura de Capitólio a sediar uma etapa do Brazil Cup de jet ski em novembro de 2021.

O luxuoso bairro de Escarpas do Lago, localizado no município, tem um dos dez imóveis mais caros do país, segundo ranking da Forbes feito a partir de hospedagens do Airbnb. A diária de uma mansão no local — sem taxas de limpeza e de serviço inclusas — sai a R$ 12.500. Para se hospedar na residência é obrigatório fazer uma reserva de, no mínimo, dois dias.

Nenhum órgão é capaz de responder quem pode evitar, no futuro, outra tragédia.

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