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MP-PE denuncia pastor por ataques a religiões de matriz africana

Pinturas nas paredes internas do Túnel da Abolição, na zona oeste do Recife. - Adelson Boris/Instagram
Pinturas nas paredes internas do Túnel da Abolição, na zona oeste do Recife. Imagem: Adelson Boris/Instagram

Alexandre Santos

Colaboração para o UOL, em Salvador (BA)

20/01/2022 14h10

O MP-PE (Ministério Público de Pernambuco) encaminhou à Justiça denúncias em que acusa o pastor Aijalon Berto Florêncio de praticar e incitar crimes de injúria e intolerância contra religiões de matriz africana, discriminação racial e transfobia. As três ações foram recebidas pela Vara Criminal da Comarca de Igarassu, distrito onde está localizada a igreja do pastor, na sexta-feira (14).

As ações foram motivadas depois que representantes de religiões de matriz africana do estado acionaram a Justiça para que o pastor retirasse das suas redes sociais um vídeo em que ele chama de "reverência a entidades satânicas" o painel artístico "Do Orun ao Aiye: Afrika Elementar", instalado no Túnel da Abolição, na capital pernambucana.

No vídeo, publicado em julho do ano passado, o pastor diz que as imagens contêm ideogramas ligados à "feitiçaria" na cultura afro. "Esse painel é nada mais, nada menos que uma reverência a entidades malignas, satânicas. Espíritos das trevas. As entidades não são forças da natureza, são demônios", afirmou no vídeo publicado no Instagram.

Para o MP-PE, os discursos do pastor ferem a liberdade de prática religiosa. No texto da denúncia, o promotor José da Costa Soares argumenta que a liderança evangélica atingiu a coletividade por meio do discurso de ódio fincado em preconceito à religião de origem africana, extrapolando, portanto, o direito ao proselitismo de sua crença ou à liberdade de expressão. "Além disso, praticou o ato em rede social de elevado e indeterminado alcance, circunstância que agrava e qualifica a conduta", assinala o promotor.

Procurado pelo UOL, Florêncio não respondeu aos questionamentos da reportagem. Em uma publicação em sua rede social, ele comentou a ação do MP e afirmou sofrer "perseguição religiosa".

"Quem vocês pensam que são? Legisladores da fé cristã? Vocês não legislam sobre o que eu prego. Nem vocês, nem ninguém. Se apagarem um vídeo, postarei dois. Se continuarem a me ameaçar pela vida jurídica, saberão que no exercício da minha vocação só a Deus temo"
Aijalon Berto Florêncio, pastor

Na mesma postagem, o pastor usou trechos da Bíblia para se defender das acusações. "As autoridades foram constituídas por Deus (Rm 13), mas não para se apropriar da minha crença, tolhendo ela ao bel prazer. Quando isso acontece — como é o caso — 'Importa obedecer a Deus do que aos homens'. Atos 5.29", pontuou o religioso.

Painel artístico no Túnel da Abolição, no Recife (PE)

Pedido de indenização

Na primeira ação contra Florêncio, o MP-PE o denuncia por praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional com agravante de ter sido cometido por intermédio de meios de comunicação social ou publicação de qualquer natureza.

Nesse caso, o órgão também pede que a Justiça determine a remoção do vídeo objeto da denúncia e decrete reparação de danos morais coletivos de ao menos R$ 100 mil. O valor, segundo a Promotoria, deve ser destinado à produção e divulgação de material educativo voltado ao enfrentamento da intolerância contra religiões afro-brasileiras.

A segunda denúncia contra o pastor aponta que ele incorreu em crime de injúria qualificada por ofender a dignidade de um homem, utilizando-se de adjetivos pejorativos para criticar sua prática religiosa. Já a terceira, por sua vez, argumenta que em uma transmissão no Instagram o pastor proferiu discurso de ódio, incitação à discriminação religiosa e à transfobia com ataque à honra de uma mulher trans.

O MP requereu ainda que ele seja obrigado a remover qualquer conteúdo ofensivo semelhante e, em especial, direcionado à vítima, a quem deverá pagar valor não inferior a R$ 50 mil por danos morais.

Galeria a céu aberto

O painel artístico elaborado no Túnel da Abolição faz parte do programa municipal Colorindo o Recife. Criada em 2013, a política pública já viabilizou a criação de 200 painéis espalhados pela capital pernambucana.

A obra instalada no Túnel da Abolição tem a assinatura dos grafiteiros Adelson Boris, Emerson Crazy e Nathê Ferreira. Nele estão os quatro elementos da natureza sob a perspectiva de religiões afro-brasileiras, como o candomblé: Inã (fogo), afefe (ar), aiye (terra) e omi (água).

Para Adelson Boris, as denúncias do MP são importantes e podem servir de exemplo para que casos de intolerância sejam reprimidos. "Espero que a Justiça seja feita contra o crime que esse pastor cometeu e que sirva de exemplo para quem pensa em agir de forma racista e intolerante", disse ao UOL.