'Caixa d'água do sertão': nº de cisternas construídas é o menor desde 2003
O governo federal praticamente paralisou em 2021 o programa Cisternas, conduzido pelo Ministério da Cidadania: foram construídos 4,3 mil equipamentos, o menor número desde a criação do programa, em 2003. Em relação a 2020, com 8.310, o total do ano passado é 48% mais baixo.
Equipamento fundamental para convivência com as secas, a cisterna tem o apelido de "caixa d'água do sertão" por garantir a convivência do morador do semiárido com as longas estiagens. Sem elas, nos períodos sem chuva, os sertanejos são obrigados a se deslocar por grandes distâncias ou mesmo se mudar em busca de uma fonte de água.
O governo federal alega que parou de fazer cisternas porque o preço dos equipamentos ficou mais caro nos últimos meses e ainda não há uma atualização de valores. "Além da escassez de material de construção disponível no mercado, as entidades executoras das tecnologias sociais de acesso à água registraram preços até 100% superiores aos praticados no período anterior à pandemia", informou, em nota ao UOL, o Ministério da Cidadania.
Existem três tipos de cisternas:
- 1ª água ou familiar: serve para consumo humano e armazena 16 mil litros;
- 2ª água ou produção: também chamada de "cisterna calçadão", tem capacidade de 52 mil litros e abastece produções e pequenas criações de animais;
- Escolares: também com capacidade de 52 mil litros.
Cada cisterna de 1ª água custa, em média, R$ 4,6 mil. As de 2ª água e as escolares, R$ 19 mil.
Início das construções
O desafio de fazer um milhão de cisternas no sertão foi lançado ainda no final dos anos 1990 pela ASA (Articulação do Semiárido), uma organização que reúne 3 mil entidades da região. Em 2003, o governo federal encampou a ideia e passou a financiar a construção dos equipamentos.
A ASA estima que ainda existam hoje ao menos 350 mil famílias em zonas rurais sem uma cisterna de 1ª água e 800 mil sem a de 2ª água. Até hoje, o programa federal construiu mais de 1,1 milhão de cisternas pelo país, mais de 95% delas no semiárido nordestino e no norte de Minas Gerais.
Sem os recursos federais, a ASA lançou, no ano passado, uma campanha para arrecadar fundos e seguir construindo cisternas no semiárido. A campanha lançada pela ASA recebe doações a partir de R$ 20.
No caso das cisternas escolares, o governo federal prometeu em agosto do ano passado, ao lançar o projeto "Água nas Escolas", construir 2 mil no Nordeste, mas o UOL revelou que apenas 83 foram feitas até novembro. Os outros 95,9% dos equipamentos não foram construídos e não há certeza de que haverá orçamento para cumprir a meta até 2022.
O Programa Cisternas é reconhecido mundialmente. Recebeu em 2009 o Prêmio Sementes, da ONU (Organização das Nações Unidas), concedido a projetos de países em desenvolvimento realizados em parceria entre organizações não governamentais, comunidades e governos.
Também ganhou, em 2017, o "Future Policy Award" (Política para o Futuro), da World Future Council, em cooperação com a Convenção das Nações Unidas para o Combate à Desertificação.
"Essa tecnologia é uma das melhores ferramentas para se conviver com o semiárido, em contraposição à indústria da seca que se estabeleceu há séculos no Nordeste. Esse projeto foi feito pela sociedade civil, que tirou a lata d'água da cabeça da cabeça das mulheres sertanejas", afirma Cícero Félix, presidente da AP1MC (Associação Programa Um Milhão de Cisternas Rurais) —organização que representa a ASA na execução dos projetos.
Ele explica que, sem cisternas, o sertanejo fica vulnerável em especial no momento de seca ou de crise econômica.
O marcante desse momento é que o Brasil voltou ao mapa da fome. E, no semiárido brasileiro, as pessoas que estão na situação de fome mais grave são aquelas que sofrem com ausência de água para produção de alimentos. Quem tem uma cisterna de 2ª água não está passando fome".
Cícero Félix, ASA
Recursos em caixa, mas sem uso
Mesmo diante da necessidade de famílias, a ASA está com dinheiro federal em caixa para iniciar a execução de cisternas. No entanto, está impedida de seguir com as obras porque, pela demora (foram quase dois anos para cair a primeira parcela) o valor de cada equipamento subiu e não corresponde mais ao que diz o edital lançado em 2019.
"Todos os preços aumentaram, mas isso não é justificativa para travar a execução. Hoje nós temos recursos e não podemos fazer a cisterna porque o ministério se recusa a negociar e fazer o equilíbrio de contas", explica.
Cícero quer dizer que, como o governo não quer reajustar e aumentar o valor pago por cisterna, a ASA queria propor reduzir o número de equipamentos a serem feitos com o recurso já aprovado. "Não precisaria aumentar o valor, e sim mudaríamos a meta do contrato. Queríamos o diálogo", diz.
Em nota ao UOL, o Ministério da Cidadania alegou que "a retração econômica causada pela pandemia de covid, nos anos de 2020 e 2021, impactou, entre diversos outros setores, a construção civil".
A pasta informou ainda que, "para acompanhar esse novo cenário, o Programa Cisternas, executado pela pasta, está atualizando o custo unitário de referência de suas tecnologias sociais e buscando recursos externos para financiar a contratação de mais reservatórios".
Para 2022, a previsão orçamentária do programa, diz o ministério, é de R$ 61,2 milhões.
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