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Júlio Lancellotti critica ação para impedir doação de comida na Cracolândia

Lorena Barros

Do UOL, em São Paulo

04/04/2022 18h13Atualizada em 04/04/2022 18h49

O Padre Júlio Lancellotti, que atua há anos com a ajuda de voluntários na distribuição de alimentos à população em situação de rua e frequentadores da região da Cracolândia, no Centro de São Paulo, denunciou, nas redes sociais, a tentativa de que o trabalho de assistência fosse realizado na região da Praça Princesa Isabel, para onde dezenas de dependentes químicos migraram há duas semanas. Hoje, a Prefeitura de São Paulo também anunciou uma ação de "zeladoria urbana" na área.

De acordo com nota da prefeitura, na manhã de hoje, uma ação de limpeza teria sido iniciada com apoio da Guarda Civil Metropolitana. Os moradores teriam sido orientados a "retirarem seus pertences e desmontarem as barracas durante o horário da limpeza".

Em conversa com o UOL, Lancellotti considerou a ação como "higienista" e que o processo que levou à dispersão da população da Cracolândia espalhou os usuários concentrados na área para outros pontos do Centro e não teria sido feita com diálogo. Segundo ele, a justificativa dada pelos guardas municipais para que a distribuição de alimentos não fosse feita no local era a chegada de um caminhão para retirada de entulhos.

"Falaram que era para ir para outro lugar. Falei que não, que não estávamos incomodando ninguém, que não estávamos tirando o espaço de ninguém", diz, acrescentando que algumas pessoas deixaram de pegar as quentinhas com medo de perder colchões ou barracas. Ao todo, 400 marmitas foram distribuídas até o começo da tarde, apesar do que o religioso classificou como "pressão".

Eles querem impedir a distribuição, como querem impedir que fotografem, que filmem, que documentem o que estão fazendo. Querem causar um tormento na vida daquelas pessoas, que já estão atormentadas. Eles estão arrancando tudo. Estão falando que tiraram trinta toneladas de lixo, mas deixam o lixo acumular propositalmente. Eles tratam o lixo e as pessoas da mesma maneira.
Padre Júlio Lancellotti

O UOL entrou em contato com a Secretaria Municipal de Segurança Urbana para questionar como ocorreu a ação da Guarda Civil Metropolitana na região na manhã de hoje. Em resposta, a Prefeitura de São Paulo informou que os profissionais de segurança "seguem as diretrizes das políticas públicas de segurança municipal, baseada em protocolos de policiamento preventivo e comunitário. A ação dos agentes é acolhedora e humanizada, visando a proteção dos servidores e a continuidade dos serviços públicos".

De acordo com a Secretaria Municipal de Assistência Social de São Paulo, 1.873 abordagens foram realizadas na região entre os dias 25 e 31 de março, com mais de 200 encaminhamentos sociais e 437 orientações prestadas aos moradores da área.

Entre os encaminhamentos sociais, estão 81 pessoas enviadas para "tratar de documentação", 57 para núcleos de convivência, seis para pernoite e 88 para o Serviço Integrado de Acolhida Terapêutica.

Comerciantes afirmam que não houve confronto

De acordo com comerciantes da região, não houve conflitos durante a ação de higienização. A limpeza teria começado logo pela manhã e mais de dez caminhões da Prefeitura teriam retirado barracas da praça até por volta de 11h, quando o fluxo de servidores da limpeza urbana diminuiu. Anteriormente, a rotina de limpezas era frequente na Praça Júlio Prestes, mas não na Praça Princesa Isabel, relatam os comerciantes.

Após a remoção de parte das tendas, permaneceram no local algumas viaturas e um caminhão-pipa para limpeza da Princesa Isabel. Um ônibus da Polícia Militar também foi estacionado na praça.

Comerciante em uma lanchonete nos arredores da Princesa Isabel há cerca de quatro anos, Jeová Martins, de 43 anos, relata que a situação está desanimadora. "Estou até pensando em entregar o ponto", diz. Ele relata que, na comparação com antes da pandemia e do fluxo de usuários da Cracolândia ter migrado para a praça, o movimento na lanchonete caiu pela metade. "A pandemia deu uma amenizada, mas aí veio esse problema aí", diz Jeová, em alusão aos usuários.

"Atrapalhou bastante, o movimento caiu muito. Onde tem usuário, o pessoal fica com medo de ser assaltado", diz o vendedor Aldo da Silva, de 32 anos. Ele calcula que, desde que houve a dispersão do antigo ponto da Cracolândia, o movimento no mercado onde trabalha há dois anos, na Avenida Rio Branco, caiu cerca de 30%.

Segundo ele, por não ter havido conflito, o comércio nos arredores da praça não fechou na manhã desta segunda, mas o clima geral é de desânimo. "Só tem moradores daqui mesmo, as pessoas de fora não vêm para cá mais. Muito comerciante foi embora", diz Aldo, que acrescenta que a sensação de insegurança aumentou nas proximidades da praça.

Em nota, a Prefeitura de São Paulo informou ter retirado durante a ação de zeladoria realizada nesta segunda pelo menos 35 toneladas de lixo e materiais de uso permanente da Praça Princesa Isabel.