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Sem celular e com spray de pimenta: a rotina dos vizinhos da 'cracolândia'

Com medo de assaltos, a artista plástica Hexe Alenski, que mora em frente à "cracolândia" da praça Princesa Isabel, no centro de São Paulo, sai de casa sem celular e com spray de pimenta na mão - Herculano Barreto Filho/UOL
Com medo de assaltos, a artista plástica Hexe Alenski, que mora em frente à "cracolândia" da praça Princesa Isabel, no centro de São Paulo, sai de casa sem celular e com spray de pimenta na mão Imagem: Herculano Barreto Filho/UOL

Herculano Barreto Filho

Do UOL, em São Paulo

12/05/2022 04h00Atualizada em 12/05/2022 15h42

A convivência com a "cracolândia" instalada na praça Princesa Isabel, no centro de São Paulo, mudou a rotina da vizinhança. Em meio a um cotidiano de venda de drogas e assaltos em plena luz do dia, moradores e comerciantes evitam circular pela região à noite e buscam se proteger como podem.

Na tarde de ontem (11), a artista plástica Hexe Alenski, 28, teve que caminhar em meio aos usuários de drogas na avenida Duque de Caxias para chegar ao prédio onde mora, em frente à praça Princesa Isabel. Ela diz, porém, que tenta evitar sair de casa e carrega um spray de pimenta acoplado na chave, sempre a mão.

Quando vim para cá, não imaginava que a 'cracolândia' ficaria no meu quintal. Saio de casa sem celular e sem carteira, só com sacola para as compras, dinheiro na pochete e a chave com spray de pimenta"
Hexe Alenski, artista plástica

Ela se mudou para um apartamento na região em dezembro do ano passado. Na época, a "cracolândia" ainda estava instalada na praça Júlio Prestes, a duas quadras de distância, do outro lado da avenida Rio Branco.

Morador de rua que estava na avenida Rio Branco é agredido por golpe de cassetete dado por guarda municipal após ação de desocupação da "cracolândia" no centro de São Paulo - Herculano Barreto Filho/UOL - Herculano Barreto Filho/UOL
Morador de rua é agredido por golpe de cassetete dado por guarda municipal
Imagem: Herculano Barreto Filho/UOL

Por ali, também há famílias e pessoas em situação de rua. O UOL flagrou o momento em que um guarda municipal agrediu um morador de rua com um golpe de cassetete na cabeça em meio à operação policial realizada na madrugada de ontem, que retirou as barracas montadas no local.

"Eu só disse que eu não estava na 'cracolândia' e ele me agrediu. Foi uma covardia", disse. O caso está sendo apurado pela GCM (Guarda Civil Metropolitana).

Na terça-feira, uma ação de rotina da GCM também terminou acabou em quebra-quebra e bloqueou as ruas no entorno.

'Eles vão voltar', diz moradora

Nos últimos dois meses, quando a feira livre de drogas começou a funcionar em frente ao seu imóvel, Hexe passou a testemunhar uma rotina de assaltos da janela de casa e a fuga em massa de usuários de drogas durante as ações da polícia.

"Todo dia é o mesmo esquema. Quando a polícia chega, eles [usuários de drogas] correm. Mas logo voltam. Já vi assaltos até com agressões. Mas a cena mais chocante foi quando vi um motorista ser retirado do carro, levado por pessoas que estavam na 'cracolândia'. É aquela sensação de impotência, de não ter para onde correr", diz.

Mesmo após a retirada das barracas na praça Princesa Isabel, a artista plástica ainda afirma duvidar da saída definitiva dos dependentes químicos no entorno. "Saída? Não acredito nisso. Eles vão voltar."

Lei do silêncio e ameaça de morte

Mesmo após a retirada das barracas, ainda havia um ambiente de medo entre moradores e comerciantes na rua Guaianases, em frente à praça Princesa Isabel.

Pessoas que não quiseram se identificar citaram o caso de uma moradora que dizem ter sido ameaçada de morte e obrigada a sair às pressas de lá após relatar a sua rotina em uma reportagem.

Um mercadinho por ali passou a ter clientela quase que exclusiva formada pelos próprios dependentes químicos, que compram garrafas de cachaça no local.

'Vamos quebrar tudo'

Moradores, comerciantes e pessoas que trabalham nas imediações observavam a operação policial à distância. O cabeleireiro Victor Pereira da Silva, 25, tentava localizar o cunhado, que é usuário de crack e costuma permanecer em meio aos dependentes químicos. "É uma situação triste", desabafa.

Os comerciantes da avenida Rio Branco, no lado oposto onde havia a maior concentração de usuários de drogas após a desocupação da praça na tarde de ontem, informaram que a opção por manter as portas abertas também é uma forma de evitar aglomerações.

Contudo, fecharam as portas quando policiais militares e guardas municipais passaram a abordar os dependentes químicos, que reagiram. "Ô! Vamos quebrar umas fitas, tio! Vamos quebrar tudo", ameaçou um deles ao ver a aproximação dos agentes.

André Oliveira, que trabalha em uma lanchonete em frente à "cracolândia" da praça Princesa Isabel, no centro de São Paulo, relata a rotina no local - Herculano Barreto Filho/UOL - Herculano Barreto Filho/UOL
André Oliveira trabalha em uma lanchonete em frente à "cracolândia"
Imagem: Herculano Barreto Filho/UOL

"Aqui, cada dia é um dia. Se eles ficam muito violentos, a gente tem que fechar. Se tem movimentação da polícia, a gente tem que fechar. Senão, eles quebram e saqueiam", disse o atendente André Oliveira, 36.

Há mais de dez anos na região, ele relata um convívio difícil com a massa de usuários de drogas. Uma situação que piorou nas últimas semanas com a instalação da "cracolândia" na praça Princesa Isabel. Após um dia de tensão, na noite de quarta, parte das pessoas que deixaram o local passaram a se concentrar na praça Marechal Deodoro, na esquina das avenidas Angélica e São João.

Eles [usuários de drogas] saqueiam os carros e os pedestres. Quando a polícia chega, fogem. Mas levam 30 segundos para montar de novo as barracas. É mais rápido do que esquentar uma coxinha aqui no micro-ondas"
André Oliveira, atendente