Tráfico da Vila Cruzeiro foi alvo de 4 chacinas com 39 mortes em 1 ano
Operações policiais contra o tráfico de drogas da Vila Cruzeiro, na zona norte do Rio de Janeiro, motivaram quatro chacinas com ao menos 39 mortes em um intervalo de apenas um ano, aponta levantamento feito pelo Instituto Fogo Cruzado em parceria com o Geni (Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos) da UFF (Universidade Federal Fluminense). A média é de uma chacina a cada três meses, com dez mortes.
O período abrange a gestão do governador Cláudio Castro (PL), que tomou posse em maio de 2021 após o impeachment de Wilson Witzel. Reportagem do UOL com base na pesquisa registrou 182 mortes em 40 chacinas ou uma morte a cada dois dias —mais de 160 delas em ações com intervenção de agentes das forças de segurança.
De acordo com o levantamento, uma em cada quatro dessas mortes com intervenção de policiais ocorreu na área dominada pelo tráfico de drogas da Vila Cruzeiro, de atuação do CV (Comando Vermelho), facção criminosa que controla as principais favelas do Rio.
A conta inclui o massacre que matou ao menos 23 pessoas nesta terça-feira (24), apontada como uma das três mais letais da história do estado do Rio, atrás da ação de maio de 2021 na favela do Jacarezinho, que deixou 28 óbitos. Em janeiro de 1998, em Duque de Caxias, outra operação resultou em 23 mortes.As pesquisas na área de segurança pública consideram como chacina todas as ações com ao menos três mortes.
Maiores chacinas em ações policiais no estado do Rio
- Jacarezinho (maio de 2021) - 28 mortos
- Vila Cruzeiro (maio de 2022) - 23 mortos
- Vila Operária, em Duque de Caxias (janeiro de 1998) - 23 mortos
- Complexo do Alemão (junho de 2007) - 19 mortos
- Senador Camará (janeiro de 2003) - 15 mortos
- Fallet (fevereiro de 2019) - 15 mortos
- Complexo do Alemão (julho de 1994) - 14 mortos
- Complexo do Alemão (maio de 1995) - 13 mortos
- Vidigal (julho de 2006) - 13 mortos
- Catumbi (abril de 2007) - 13 mortos.
Em nota, a Polícia Civil afirma que "na atual gestão, todos os mortos por tiros de policiais civis disparados durante operações foram de criminosos que entraram em confronto com os agentes". A Polícia Militar e o governo do Estado do Rio de Janeiro também foram acionados, mas não se posicionaram até a publicação da reportagem. O espaço está aberto para manifestações.
Reportagem do UOL com base em análise de confrontos no Rio entre 2016 e 2019 indicou que apenas 3% dos confrontos policiais ocorreram em áreas de milícia nesse período em ações que priorizaram o combate ao tráfico de drogas.
"Alguém está mais seguro no Rio?"
A primeira chacina da gestão Cláudio Castro no Complexo da Penha, conjunto de favelas onde fica a Vila Cruzeiro, principal reduto do tráfico local, foi registrada em 18 de junho de 2021, no Morro da Fé. Na ocasião, uma operação da Polícia Civil matou um adolescente negro de 16 anos atingido na cabeça dentro da própria casa. Além dele, outras três pessoas morreram na ação.
Na manhã de 11 de fevereiro deste ano, uma operação policial deixou nove pessoas mortas na Vila Cruzeiro. Apenas uma semana depois, três pessoas morreram em outra incursão das forças de segurança em Brás de Pina, também no Complexo da Penha.
Há uma aceleração de intervenção armada e truculenta das polícias nessa região. É importante fazer um questionamento: alguém está mais seguro na Vila Cruzeiro e na cidade do Rio de Janeiro com essas ações policiais espetacularizadas pelo poder público? É importante pensar políticas de segurança pelo acesso a serviços na cidade"
Maria Isabel Couto, diretora de programas do Instituto Fogo Cruzado
Daniel Hirata, pesquisador do Geni-UFF, atribui a alta ocorrência de chacinas nesse território ao que define como "criminalização" das áreas sob o domínio do tráfico de drogas.
"A Vila Cruzeiro é conhecida como uma região sob o domínio do tráfico. Uma das formas de minimizar a violência nesses territórios é dizer que os mortos nas chacinas eram criminosos. No Brasil, isso serve como justificativa para execuções", avalia.
Maiores chacinas da gestão Castro
- Jacarezinho (maio de 2021) - 28 mortos
- Vila Cruzeiro (24 de maio de 2022) - 23 mortos
- Vila Cruzeiro (11 de fevereiro de 2022) - 9 mortos
- Salgueiro, em São Gonçalo (21 de novembro de 2021) - 9 mortos
- Parque Floresta, em Belford Roxo (3 de fevereiro de 2022) - 7 mortos
- Costa Barros (20 de março de 2022) - 6 mortos
- Morro da Fé, Complexo da Penha (18 de junho de 2021) - 4 mortos
- Brás de Pina, Complexo da Penha (18 de fevereiro de 2022) - 3 mortos
'Hotel de luxo' do tráfico, diz governador
Na manhã de quinta (26), a Secretaria Estadual da Saúde havia informado que 26 pessoas morreram na chacina —de acordo com dados das unidades de saúde e da Polícia Militar. Mais tarde, no entanto, a Polícia Civil confirmou 23 óbitos e alegou que três outras vítimas eram de um confronto entre traficantes no Morro do Juramento, a 5,5 km da Vila Cruzeiro.
Nenhum dos mortos identificados até o fim da semana era do Bope (Batalhão de Operações Especiais) ou da PRF (Polícia Rodoviária Federal), que participaram da ação.
Antes da revisão dos dados, Cláudio Castro, governador do Rio, escreveu ontem (25) em suas redes sociais que a Vila Cruzeiro funciona como "o coração" da maior facção criminosa do estado e que o local teria virado "hotel de luxo" de chefes da facção vindos de outros estados.
Em nota, a PRF (Polícia Rodoviária Federal) disse ter participado da ação "após receber pedido de apoio da Polícia Militar". O presidente Jair Bolsonaro (PL) elogiou a ação dos policiais militares na chacina.
Edson Fachin, ministro do STF (Supremo Tribunal Federal), procurou o Ministério Público após a chacina demonstrando "preocupação com a notícia de mais uma ação policial com índice tão alto de letalidade".
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