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Agente da PRF ensina em aula método de tortura em viatura: 'Fica mansinho'

Rafael Neves

Do UOL, em Brasília

27/05/2022 15h53Atualizada em 27/05/2022 20h02

Circula pelas redes sociais um vídeo em que um agente da PRF (Polícia Rodoviária Federal) descreve aos alunos a prática de uma tortura durante uma aula para concurseiros de carreiras policiais. Nas imagens, o agente Ronaldo Bandeira conta como teria colocado um preso em uma viatura e o deixado "mansinho" com uma rajada de spray de pimenta, fechando o compartimento em seguida.

O método se assemelha ao utilizado na última quarta-feira, em Umbaúba (SE), pelos agentes da PRF que mataram Genivaldo Santos, de 38 anos. Genivaldo foi trancado na viatura com gás lacrimogêneo e os agentes não abriram a porta apesar dos gritos da vítima. Ao UOL Bandeira disse que a cena descrita foi um "exemplo fictício", que ele nunca praticou, e classificou a fala como "uma brincadeira infeliz de sala de aula".

Ronaldo Bandeira, de 35 anos, passou em um concurso da PRF em 2008 e foi nomeado para a corporação três anos depois. No vídeo, datado de 2016, ele trabalhava para a Alfacon Concursos, uma empresa de Cascavel (PR) que prepara concurseiros em busca de vagas nas forças policiais. Em 2018, depois de deixar a Alfacon, Bandeira abriu sua própria empresa, que oferece cursos online.

No vídeo, o instrutor conta aos alunos sobre uma ocorrência com um preso. "Nesse ínterim, que a gente ficou lavrando o procedimento e ele estava na parte de trás da viatura, ele ainda tentou quebrar o vidro da viatura, com chutes. Ficou batendo o tempo todo. O que que o polícia faz? Abre um pouquinho, pega o spray de pimenta e taca", narrou Ronaldo, gesticulando como se usasse o spray, para riso dos alunos.

E continuou: "Foda-se, caralho. É bom pra caralho! A pessoa fica mansinha! Aí daqui a pouco eu só escutei assim: eu vou morrer! Eu vou morrer! Aí eu fiquei com pena, cara. Eu abri assim [e falei]: tor-tu-ra! Enfim: sacanagem, fiz isso não", completou, sem deixar claro que partes do relato seriam falsas.

Bandeira afirmou à reportagem que toda a cena foi fictícia, e que sua citação foi "uma brincadeira infeliz de sala de aula" que ele fez quando falava sobre a lei 9455/97, que trata dos crimes de tortura. O vídeo, segundo ele, é de 2016, e o trecho integral mostra que ele diz, claramente, que não se tratava de um relato real.

"É um vídeo que está recortado, pinçado, e veio à tona agora por causa dessa situação infeliz [a morte de Genivaldo]. Em nenhum momento eu coaduno com a prática narrada no vídeo, jamais pratiquei essa conduta", afirmou. A reportagem também pediu esclarecimentos à PRF e, se houver resposta, ela será incluída no texto.

Curso

Agente da PRF desde 2011, Ronaldo Bandeira tem um curso preparatório para carreiras policiais. A empresa foi registrada em 2008, em Balneário Camboriú (SC), e oferece aulas de mais de 30 professores, segundo o site.

No mês passado, Ronaldo foi homenageado com uma "moção de congratulações e aplausos" por Leandro Hungria (Solidariedade), um vereador de Nilópolis (RJ).

"Hoje, Ronaldo Bandeira, além de ser um Policial Rodoviário Federal apaixonado por sua profissão, possui uma outra paixão: ser professor", diz um trecho do documento, exibido por Ronaldo em seu perfil no Instagram.

Prática recorrente

No vídeo que circulou pelas redes, Bandeira ministrava uma aula para a empresa Alfacon Concursos, que já chamou atenção pela exaltação à brutalidade policial e ao extermínio. Em 2019, o site Ponte Jornalismo revelou o teor de uma aula em que houve a defesa aberta de chacinas. Um professor, ex-policial militar, contou que "matava todo mundo" quando "entrava chacinando" em uma ocorrência.

"Uma vagabunda criminosa só vai gerar o quê? Um vagabundinho criminoso, só isso que vai gerar. Por isso quando eu entrava chacinando, eu matava todo mundo: Mãe, filho, bebê, foda-se. Eu já elimino o mal na fonte. Vou deixar o diabo crescer? Não", disse o instrutor no vídeo que veio à tona.

Em nota, a Alfacon afirmou que "repudia qualquer tipo de violência, seja física ou psicológica, contra civis", e que o discurso feito por Bandeira não está "em alinhamento com os treinamentos pelos quais todos os educadores são submetidos ao ingressarem no corpo docente". A empresa esclarece, ainda, que Bandeira deixou de trabalhar para o grupo em 2018.

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