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De Presidente a Escobar: morte de chefe do PCC abre disputa no garimpo

Sandro de Carvalho, o Presidente, era apontado como líder do PCC no garimpo - Reprodução Redes Sociais
Sandro de Carvalho, o Presidente, era apontado como líder do PCC no garimpo Imagem: Reprodução Redes Sociais

Do UOL, em São Paulo

19/05/2023 04h00

Um integrante do PCC identificado como Escobar é apontado como o novo chefe da organização criminosa que atua na região do garimpo na Terra Indígena Yanomami, em Roraima. Ele teria assumido a liderança após a morte de Sandro Moraes de Carvalho, conhecido como Presidente, em abril. As informações foram confirmadas ao UOL por fontes da polícia do estado.

O que aconteceu

A polícia obteve áudio atribuído a Escobar em que o novo chefe do PCC mobiliza garimpeiros para deixarem as áreas em que estavam atuando. "Chegou uma notícia aqui para nós que diz os policia [sic] vão entrar de novo na nossa mesma área", diz.

Escobar era considerado homem de confiança de Sandro, o Presidente. Antes de assumir a liderança na região, teria sido "segurança" dos garimpos em território yanomami. Os serviços de segurança privada no garimpo são geralmente prestados por grupos associados ao crime organizado, segundo pesquisadores e investigadores.

Outros áudios recebidos por fontes ligadas à polícia indicam que Escobar tomou a liderança dos negócios da facção após a morte de Presidente, mas está em disputa com a então companheira do ex-chefe.

O crime organizado divide Roraima em 19 regionais — cada uma delas seria gerenciada por uma liderança diferente do PCC. No áudio, o suspeito identificado como Escobar faz referência à "regional 019", a área onde se concentra o garimpo.

Presidente tinha uma atuação mais forte e era parte do Grupo dos 14, que reúne quem ocupa as posições hierárquicas mais altas na facção no estado — e controla as atividades tanto na capital quanto no interior.

Opa minha quadrilha do coração, boa noite, um forte e sincero abraço do Escobar, beleza? Aqui da 019, região garimpo. Chegou uma notícia aqui para nós que diz os policia vão entrar de novo na nossa mesma área. Só que eles vêm em peso, diz eles vêm em peso, com 200 policiais. Nesse exato momento, tô tirando todo o pessoal que ficou aqui. Já tá vindo uma canoa de apoio aqui nesse exato momento e vou tirar todo mundo aqui da terra, entendeu?
Áudio atribuído à Escobar, apontado como novo líder do PCC na região

Nas redes sociais, Sandro ostentava armas, pulseiras e ouro - Reprodução Redes Sociais - Reprodução Redes Sociais
Nas redes sociais, Sandro ostentava armas, pulseiras e ouro
Imagem: Reprodução Redes Sociais

Morte de Presidente provoca disputa

A morte de Sandro Moraes de Carvalho provocou uma disputa por áreas, armas e lucros que pertenciam ao antigo líder. Áudios obtidos pela reportagem indicam que o destino de armamentos, quantias financeiras e terras de Presidente seriam decididos pelos chamados "tribunais do crime" — instâncias mediadoras de conflitos com poder para tomar decisões.

O áudio atribuído à companheira de Sandro questiona se as "terras" e "armas" de Sandro serão enviadas à sintonia — outra forma de se referir ao tribunal do crime. Em outro momento da gravação, a mulher diz que colocou pessoas proteger territórios e balear quem tentar interromper o bloqueio.

Presidente era conhecido por ter um perfil violento e de enfrentamento às polícias. Nas redes sociais, ele publicava vídeos com armas, colares, pulseiras e barras de ouro.

Uma das imagens era de Marcos Willians Herbas Camacho, Marcola. Na foto, o homem que é apontado como liderança máxima do PCC é transferido da Penitenciária Federal de Porto Velho (RO) para a Penitenciária Federal de Brasília.

No confronto que resultou na morte de Sandro, outros três garimpeiros morreram. A Polícia Rodoviária Federal e o Ibama apreenderam armas de grosso calibre, munições, carregadores e outros equipamentos bélicos.

Já deixei os caras no apoio lá, que não é para entrar nem sair de lá. Tu tá querendo botar a terra do Sandro, as armas na sintonia? Me explica aí. Não precisa ficar preocupado. Já botei os meninos lá embaixo. Qualquer canoa que entrar lá os meninos vão meter bala, pode ser quem for. Já deixei bem claro para os caras. Se molhar pra tu, se molhar pra mim, vai molhar pra todo mundo.
Áudio atribuído à companheira de Presidente

Onde ocorrem os conflitos - Arte/UOL - Arte/UOL
Imagem: Arte/UOL

Facções criminosas em disputa

Os confrontos que deixaram ao menos 14 mortos em uma semana em Roraima expõem a atuação de organizações criminosas como o PCC (Primeiro Comando da Capital) e o CV (Comando Vermelho) na Terra Indígena Yanomami.

Forças policiais federais e estaduais intensificaram as investigações para combater a presença de organizações criminosas que atuam no garimpo em território indígena yanomami.

Existem hoje entre 40 e 50 foragidos vinculados a facções em território de garimpo. Segundo fontes ligadas à segurança pública de Roraima, antes das operações do governo federal para a saída dos garimpeiros havia ao menos cem garimpeiros vinculados ao PCC atuando nas regiões.

Facções criminosas utilizam a estrutura logística da extração ilegal do ouro, administram casas de prostituição e pontos de comércio de drogas no garimpo. O lucro que obtêm nessas atividades faz esse grupo de garimpeiros faccionados resistir à saída do local.

PCC tem uma atuação hegemônica no estado, já o Comando Vermelho atua de forma 'discreta'. As operações da facção de origem carioca estão concentradas nos municípios de Mucajaí e Alto Alegre, em Roraima.

A atuação do PCC é mais pulverizada e horizontalizada do que o CV. Segundo o pesquisador e sociólogo Rodrigo Chagas, que atua na região, a facção conta com "prestadores de serviços" que não precisam ser necessariamente "batizados" pela organização.

Tendemos a entender que a maioria [dos garimpeiros] que buscava alternativas econômicas já se retirou. Aqueles que se recusam a sair podemos presumir que são os mais resistentes e tem mais o que perder.
Beatriz Matos, do Ministério dos Povos Indígenas