MG: Polícia intima mulheres que acusam cirurgião plástico de erros médicos
A Policia Civil abriu investigação contra mulheres que acusam um cirurgião plástico de cometer erros médicos em Minas Gerais. Quatro das 39 pacientes que processam o cirurgião Felipe Villaça Guimarães foram intimadas pela polícia para prestar depoimento depois que ele registrou um boletim de ocorrência em que se diz "amedrontado".
O que aconteceu
Médico diz estar com medo. Villaça procurou a polícia no dia 30 e junho dizendo que recebeu de "forma anônima uma documentação relacionada a um grupo de WhatsApp" com "mensagens com intuito de ameaçar a integridade física" dele e a possibilidade de "depredação da clínica, bem como crimes contra a honra".
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A vítima encontra-se amedrontada e teme por sua integridade física e de sua família.
Trecho do boletim de ocorrência
Intimação foi rápida. Logo depois do BO, quatro mulheres que participavam do grupo foram intimadas por telefone pela 2ª Delegacia Especializada em Investigação de Crime Cibernético e, no dia 1º de agosto, prestaram depoimento.
Investigação contra o médico não anda, dizem pacientes. As mulheres afirmam já ter procotolado ao menos 25 boletins de ocorrência contra Villaça nos últimos três anos, mas o médico até hoje não foi chamado nem para depor, ao contrário do que aconteceu com as pacientes intimadas.
A maioria delas relata mais de um erro. Somados, os procedimentos em que as pacientes relatam complicações são: 20 lipoesculturas, 19 abdominoplastias (retirada de pele e gordura do abdômen), 13 mastopexias (reestruturação da mama), 7 mastopexias com prótese de silicone, 6 lipoenxertias de glúteo (aumento e/ou remodelação das nádegas), uma redução de mama com prótese, uma rinoplastia (nariz), uma cirurgia íntima e uma blefaroplastia (retirada do excesso de pele das pálpebras).
Como mostrou o UOL, uma delas diz ter "perdido o umbigo" depois de uma complicação na cirurgia que necrosou seu abdômen. Villaça diz que a clínica que leva seu nome, a FVG Operação Plástica, oferece "o que há de melhor em cirurgias plásticas no mundo" e que é "perseguido por uma quadrilha" que busca reembolso e não suporta o sucesso de um médico de 39 anos.
Polícia se cala
Favorecimento? O UOL procurou a Polícia Civil de Minas, que tem status de secretaria de Estado, e perguntou por que as diversas denúncias contra Villaça não andam como relatam as vítimas, enquanto aquela feita por ele contra as pacientes avançou rapidamente.
Polícia diz investigar. Em nota, a corporação disse que "os inquéritos encontram-se em andamento a fim de apurar as circunstâncias das denúncias em desfavor do médico" e que mais informações só serão dadas "ao final das investigações".
Caso haja outras vítimas, que essas procurem a delegacia mais próxima da residência e registrem os fatos para que sejam devidamente apurados.
Polícia Civil de Minas
Polícia deveria explicar morosidade. A advogada criminalista Luiza Oliver —do escritório Toron Advogados— afirma que "seria importante entender melhor as razões concretas para a diferença tão grande de tempo". "A natureza dos casos, a complexidade das medidas investigativas e o próprio acervo de determinada delegacia podem ser motivos que justificam a diferença de tempo", afirma.
Mas também podem existir motivos ilegítimos, pautados até mesmo numa cultura machista, que jamais poderiam justificar a morosidade no andamento de um caso.
Luiza Oliver, criminalista
Intimidação?
Uma das mulheres intimadas falou com o UOL sobre o depoimento. Ela afirmou que recebeu a intimação por telefone, embora "a previsão legal é que as intimações sejam realizadas pessoalmente", diz a criminalista. Ela lembra que, em razão da pandemia, "são cada vez mais frequentes as intimações por telefone, WhatsApp e email".
"Quando cheguei na delegacia, soube que o médico tinha feito o boletim", diz a paciente. "Revisei as minhas mensagens e nenhuma tinha ofensa. Até questionei por que eu tinha sido chamada se não ameacei ninguém", diz ela, que pediu para preservar sua identidade.
Três das quatro mulheres intimadas haviam concedido entrevista para o UOL em reportagem publicada quatro dias antes de Villaça ir à delegacia contra elas. Depois das intimações, o grupo no WhatsApp —criado para as pacientes se ajudarem— foi excluído.
"Ficamos com medo porque não sabemos quem vazou. Acho que foi uma forma de nos calar", diz a mulher. "De vítima, viro acusada de repente?"
O que diz o médico?
Villaça diz que foi ameaçado de morte. A clínica afirma em nota que o cirurgião "teve ciência da existência de um grupo de WhatsApp e ficou absolutamente estarrecido com o que é dito e articulado por seus membros, inclusive com ameaça de morte e à sua integridade física".
"Não se trata de um grupo que visa a reparação ou a composição amigável de casos individuais, mas, sim, de um coletivo de pessoas que se organizou para destruir a sua reputação e imagem profissional", diz.
Ele confirma a existência de um inquérito policial em andamento que tem como objetivo identificar e separar as condutas das pacientes envolvidas, visando responsabilizar, cível e criminalmente, aquelas que cometeram eventuais excessos.
FVG Operação Plástica
O defensor de algumas pacientes diz que "não há ameaças" no conteúdo vazado do grupo. "Pode haver indignação, como acontece com qualquer pessoa que seja vítima de erro médico", diz o advogado Francisco Gomes Júnior. "Imagina vazarem o conteúdo de um grupo em que você relata seus traumas e esse vazamento gera uma queixa contra você?"
"Há uma inversão de papéis em casos de violência contra a mulher", diz o advogado. "Transformam vítimas em culpadas em um ato para inibir que novas mulheres se manifestem."
A forma como a informação foi acessada dirá se o vazamento se tratou de crime cibernético, diz a criminalista Luiza Oliver. Ela afirma que a obtenção da conversa "certamente configura crime" se ela foi capturada por terceiros, sem autorização judicial.
"A disposição legal indica que uma conversa [em grupo de mensagem] não pode ser usada para acusar alguém", diz. "Seria preciso compreender melhor a dinâmica da entrega dessas conversas para avaliar tanto a licitude dessa prova, a possibilidade de ser usada, como se houve algum tipo de crime na sua obtenção."
O entendimento dos tribunais sempre foi o de usar a prova se ela foi dada por um participante da conversa. Houve, contudo, uma alteração recente na lei que trouxe limitações para o uso dessas informações, mesmo quando fornecidas por um dos interlocutores.
Luiza Oliver, criminalista