Viúva Negra negociou imóvel no Rio mesmo procurada pela Interpol nos EUA

Procurada pela Interpol nos EUA por ter sido condenada pelo assassinato de um dos seus cinco companheiros — os outros quatro morreram de forma suspeita entre 1971 e 1993 —, a advogada gaúcha Heloísa Gonçalves, 73, reapareceu em uma chamada de vídeo ao tentar negociar um imóvel no Rio.
Foragida há 30 anos, ela herdou mais de R$ 100 milhões dos maridos, segundo estimativa das autoridades.
O que aconteceu
Conhecida pela polícia como Viúva Negra, a advogada ligou em janeiro de 2021 para um cartório na zona sul do Rio. A conversa com um tabelião do 15º Ofício de Notas era para passar a procuração de uma escritura de um apartamento avaliado em R$ 1 milhão em Ipanema para uma de suas filhas.
No momento em que o documento seria oficializado, porém, o 5º RGI (Registro-Geral de Imóveis) verificou uma irregularidade: a proprietária constava como casada com Nicolau Saad na matrícula do imóvel e como viúva no acordo de compra e venda.
Em agosto daquele ano, representantes da advogada gaúcha apresentaram uma correção ao cartório, alterando o estado civil dela para divorciada. Para isso, incluíram apenas o documento do divórcio com o policial militar Roberto de Souza Lopes, com quem ela se casou no início dos anos 1990.
O 5ª RGI do Rio viu inconsistência nas informações e entrou com uma ação na Vara de Registros Públicos da Capital. O juiz Alessandro Oliveira Félix julgou procedente o caso e, em junho deste ano, impediu a transação do apartamento.
Não pode dar continuidade ao registro sem que todas as formalidades legais tenham sido cumpridas. De tal forma, não tendo sido cumpridas as exigências opostas, agiu bem o suscitante em adiar o registro do título, devendo a dúvida ser julgada procedente.
Sentença do juiz Alessandro Oliveira Félix, da Vara de Registros Públicos

Rastros na Flórida
A moradia fixa de dois dos filhos de Heloísa em Boca Raton, na Flórida (EUA), ajudou a Interpol do Rio a rastrear a movimentação da advogada gaúcha nos últimos 20 anos. Uma das filhas da Viúva Negra é proprietária de uma empresa de manutenção de piscinas e de outra que regulariza a situação de estrangeiros nos EUA. O outro filho dela é piloto e dono de empresa de transporte aéreo.
Em dezembro de 2000, a advogada assinou um documento para compra e venda de um apartamento em Miami. Nele, ela usa os sobrenomes de um dos maridos mortos e do marido à época, assinando como Heloísa Saad Lopez (foto acima).
Procurada, a defesa de Heloísa informou que não vai se manifestar a pedido da família.
A cronologia de namoro, casamentos e mortes

A primeira morte de um companheiro de Heloisa ocorreu em 1971. Em dezembro daquele ano, o médico gaúcho Guenter Joerg Wolf, 38, então namorado dela, bateu o carro contra um caminhão em uma viagem de Porto Alegre a Taquara, interior do Rio Grande do Sul.
À época, aos 21 anos, Heloísa estava grávida. No ano seguinte, registrou a filha com o sobrenome do médico, herdando uma casa na capital gaúcha.
Em dezembro de 1977, seu namorado, o advogado Carlos Pinto da Silva, sobreviveu a um atentado ao levar cinco tiros no peito enquanto passava férias com Heloísa em Salvador. Ele a acusou de tentar matá-lo, mas depois retirou a queixa. O caso foi arquivado pela Polícia Civil.

A segunda morte ocorreu em outubro de 1983. A advogada ficou oficialmente viúva pela primeira vez aos 33 anos, quando o securitário Irineu Duque Soares foi perseguido de carro e morto a tiros em Magé (RJ).
Heloísa, que estava no veículo com os filhos, chegou a ser investigada. Mas a polícia incriminou um homem que acabou morrendo em confronto com as forças de segurança. Ela herdou de Soares dois imóveis no Rio, carros e dinheiro.
Em maio de 1990, a Viúva Negra se casou com o comerciante milionário do Rio Nicolau Saad. O problema é que ela estava casada na época com o policial militar Roberto de Souza Lopes e com o coronel Jorge Ribeiro.

O caçula de seus seis filhos teve dois registros de nascimento. No dia 25 de julho de 1990, o menino recebeu o sobrenome Saad. Três dias depois, Heloísa fez outro registro, identificando o coronel Jorge Ribeiro como pai do bebê.
Em razão da bigamia e da falsidade ideológica, ela viria a ser condenada em 2007 a 4 anos e 6 meses de prisão pela 19ª Vara Criminal do Rio — a pena não foi cumprida.
A terceira morte ocorreu em dezembro de 1991. Saad teve uma parada cardíaca aos 71 anos. Heloísa herdou do comerciante, 30 anos mais velho, um patrimônio avaliado à época em R$ 30 milhões.
Condenação e outras mortes

A quarta morte ocorreu em fevereiro de 1992. Heloísa foi condenada a 18 anos de prisão por homicídio duplamente qualificado pelo assassinato do coronel Jorge Ribeiro, 54. Ele foi amarrado, torturado e morto com marretadas na cabeça enquanto esperava por candidatos a um emprego em seu escritório em Copacabana, zona sul do Rio.
A advogada foi acusada de ser a mandante do homicídio, ajudar na execução do crime e facilitar a fuga do assassino, que nunca foi identificado.
Procurada desde o começo dos anos 1990, ela foi julgada à revelia (quando o réu é comunicado oficialmente do processo e não se defende no julgamento). Seus advogados alegaram à época que não consideravam o júri válido. A condenação da Viúva Negra aconteceu em agosto de 2011.

A quinta morte ocorreu em maio de 1993. Dez meses após o assassinato do coronel, um novo namorado de Heloísa também acabou sendo assassinado.
O comerciante libanês Wagih Elias Murad, 84, foi baleado com o amigo Wagner Laino em um atentado no Recreio dos Bandeirantes, zona oeste do Rio. Ele se tornou o quinto companheiro de Heloísa morto em circunstâncias suspeitas, segundo a polícia.
Após a morte de Murad, o filho dele contratou detetives e advogados para investigar o caso. Em outubro de 1993, enquanto desvendava o passado criminoso de Heloísa, o administrador Eli Murad foi vítima de um ataque a tiros que deixou uma bala alojada em sua nuca e matou o policial Luiz Marques da Motta, que estava com ele em um carro na Barra da Tijuca, zona oeste do Rio.
Mais crimes

Na década de 1970, Heloísa foi presa em Brasília por suspeita de aplicar golpes na Previdência Social. Os crimes ocorreram no Distrito Federal e nos estados de São Paulo, Rio Grande do Sul e Goiás.
Em 1980, foi detida por falsidade ideológica ao assinar um documento com outro nome. Depois, passou a mudar de identidade legalmente, usando o sobrenome dos maridos. A última identidade da viúva que herdou milhões traz do registro de nascimento apenas o nome próprio. Nos EUA, onde mora, ela assina documentos como Heloísa Saad Lopez, com os sobrenomes do atual marido e de um dos maridos mortos.
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