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Psicopatas que matam: o que acontece com eles quando são presos?

Chico Picadinho (à esq.) recebeu laudo de psicopatia nos anos 70; Champinha também teve diagnóstico Imagem: Folhapress e Reprodução/TV Globo

Do UOL, em São Paulo

26/10/2023 04h00

A psicopatia é um termo que sempre chama atenção, principalmente pela quantidade de filmes e séries que abordam o assunto. Na vida real, nomes emblemáticos marcaram o noticiário brasileiro, como Roberto Aparecido Alves Cardoso, o "Champinha", e Francisco Costa Rocha, conhecido por "Chico Picadinho". Mas, dentro do campo do sistema penitenciário, a psicopatia é de difícil definição e gera discussões complexas sobre a forma de ser tratada.

Entenda a psicopatia

É a falta de empatia que faz com que o indivíduo seja egoísta, desinibido e sequer sinta remorso pelas suas ações.

Um psicopata não necessariamente vai cometer crimes.

O diagnóstico que mais se assemelha com a psicopatia é o transtorno de personalidade antissocial, de acordo com a última edição do DSM (Manual de Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais).

Mas ser antissocial não é necessariamente ser mais "reservado". É alguém que age contra as normas, regras e obrigações sociais e morais, diz Samantha Sá, doutora em psicologia pela PUCRS (Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul).

Essa pessoa é lúcida e sabe que está agindo contra as normas, que está manipulando alguém, por exemplo, e tem orgulho disso. Samantha Sá, psicóloga

As duas condições não podem ser consideradas sinônimos, uma vez que a psicopatia é um quadro mais grave do transtorno de personalidade antissocial, explica Thiago da Silva, psiquiatra forense do NUFOR-IPq (Núcleo de Psiquiatria Forense e Psicologia Jurídica do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas), da USP.

Estudos realizados em prisões norte-americanas mostram que até 80% dos presos atendem aos critérios do transtorno personalidade antissocial, mas só 15% pontuam em escala de psicopatia. Isso mostra que não é a mesma coisa. Thiago da Silva

"Todos nós temos traços"

Uma pessoa pode não ter empatia por desconhecidos —e sentir isso pelos familiares—, mas isso não necessariamente faz dela uma psicopata, explica Matheus de Oliveira Silva, psicólogo forense e especialista em perícia psicológica e neuropsicológica pelo IPq. "Isso pode ser resultado da criação que recebeu, da própria personalidade."

Todos nós temos traços de psicopatia. O problema é quando esses sintomas são manifestados com intensidade grave, trazendo prejuízos principalmente para a sociedade. Matheus de Oliveira Silva

Ele reforça ainda que a psicopatia não pode ser diagnosticada como um "checklist", como ocorre no manual DSM, na qual a condição aparece como semelhante ao transtorno de personalidade antissocial.

O manual DSM é muito categórico: para você ter determinada doença, é preciso preencher X critérios. Mas o diagnóstico da psicopatia não pode ser assim, é um diagnóstico dimensional, levando em conta a intensidade dos traços na vida da pessoa.

As causas da psicopatia ainda não são totalmente claras: há fatores ambientais (infância com abuso, violência etc) e genéticos, segundo especialistas.

estudos que mostram que existe uma mudança na estrutura e no funcionamento de regiões no cérebro, que são responsáveis pelo estímulo emocional e pela tomada de decisão. Há outros artigos que sugerem que o cérebro de psicopatas é semelhante ao de pessoas saudáveis.

Imagem: Reprodução

O que acontece quando são presos?

Uma vez que essa pessoa, eventualmente, cometa algum crime, é possível que a defesa ou o próprio juiz peçam uma análise da sanidade feita por peritos. São eles que vão avaliar se o indivíduo tinha capacidade para compreender o caráter do ato no momento do crime.

A partir disso, existem três caminhos possíveis:

  • Imputabilidade: a pessoa tem condição mental de compreender o ato ilícito que se deu no ato do crime, sabe que fez "algo errado" e recebe uma pena normal para cumprir, em um presídio.
  • Inimputabilidade:a pessoa não tinha consciência do caráter ilícito do crime e fica então isenta de pena, recebendo uma medida de segurança que pode ser cumprida com tratamento ambulatorial ou em um hospital psiquiátrico. No entanto, em abril deste ano, o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) determinou o fechamento dos hospitais de custódia até maio de 2024. Cabe à equipe médica decidir quem ganhará a liberdade para receber tratamento no SUS e quem permanecerá sob custódia do Estado, recebendo tratamento médico, mas longe do convívio social
  • Semi-imputabilidade: a pessoa tem perda parcial da compreensão da conduta ilícita e da capacidade de discernimento dos atos praticados. Neste caso, a pena pode ser reduzida.

Aqui, abre-se um parêntese sobre Champinha que, segundo os especialistas, vive uma situação de exceção desde que participou do sequestro e assassinato de Liana Friedenbach e Felipe Caffé, 20 anos atrás. Roberto Cardoso está detido UES (Unidade Experimental de Saúde), em uma situação que é caracterizada como "ilegal".

O que geralmente acontece?

Imagem: Getty Images

Na maioria dos casos, as pessoas com psicopatia são consideradas imputáveis. Em alguns casos, se a pessoa tiver passado por um momento de surto causado por outros transtornos mentais, como esquizofrenia ou psicose, é considerada inimputável.

No geral, os psicopatas são enviados para presídios comuns, sem qualquer tipo de acompanhamento de saúde. Eles convivem com outros presos no mesmo ambiente.

Segundo especialistas, apenas uma minoria dos presos tem algum transtorno mental; menor ainda é a quantidade de psicopatas.

Como é feito o diagnóstico?

Um teste chamado de PCL-R (Lista de Verificação de Psicopatia-Revisitada) foi criado pelo psicólogo canadense Robert Hare, traduzido e adaptado para o Brasil. É utilizado principalmente em contexto criminal.

Na lista, entram 20 itens que podem ser pontuados de 0 a 2 (0 = não se aplica; 1 = presente em certa medida; 2 = definitivamente presente). Quando a pessoa atinge uma pontuação maior que 30, o diagnóstico de psicopatia é estabelecido.

No Brasil, a medição é diferente: com 23 pontos ou mais, há o diagnóstico de psicopatia; 12 e 23 pontos, há traços de psicopatia.

Nele, há fatores afetivos e de comportamento. Veja alguns exemplos:

  • Mentira patológica
  • Manipulação
  • Ausência de remorso e empatia
  • Descontroles comportamentais
  • Impulsividade
  • Delinquência infantil
  • Muitas relações conjugais de curta duração
  • Irresponsabilidade

No Brasil, a escala também é usada para avaliar a reincidência criminal, ou seja, se uma pessoa pode sair do regime fechado para o aberto, por exemplo. Mas, a prática é criticada entre os especialistas.

Se esse preso tiver uma pontuação alta, significa que ele poderia praticar um novo crime, mas isso não é verdade. Um psicopata não necessariamente vai cometer um crime de novo. Não dá para a escala prever isso de forma taxativa. Matheus de Oliveira Silva, psicólogo forense

Existe o teste de Rorschach, que seria mais um "extra" no diagnóstico, que oferece traços de personalidade de uma forma geral, e não só para a psicopatia.

"Teste é subjetivo e pune os mais pobres"

O teste é subjetivo e depende de quem vai aplicá-lo, segundo o defensor público de São Paulo Bruno Shimizu, doutor em direito penal e criminologia pela USP e diretor do IBCCRIM (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais). Quem acaba sendo punido neste tipo de teste são as pessoas com menos escolaridade, especialmente no Brasil, completa.

No final das contas, essas pessoas são mandadas para o presídio depois de um dia de entrevista, com aplicação do PCRL-R. É uma decisão que chega a ser arbitrária, porque é muito mais fácil manipular esse teste quando a pessoa não tem boa capacidade de compreensão. São pessoas de classe baixa, pretas, pobres e periféricas. Bruno Shimizu

Segundo especialistas, entre os infratores violentos presos, apenas minoria pode ser classificada como psicopata Imagem: GETTY IMAGES

Neste ano, o país bateu recorde de população carcerária, sendo a maioria negra (68,2%), segundo 17º Anuário Brasileiro de Segurança Pública.

A partir dos critérios do teste PCL-R, "qualquer pessoa poderia se enquadrar" como psicopata, confirma o promotor de Justiça do Ministério Público de Goiás Haroldo Caetano, doutor em Psicologia pela UFF e mestre em Ciências Penais pela UFG. Ele defende que um adulto sendo diagnosticado como psicopata, embora ele não acredite nessa definição, deve ser julgado e condenado normalmente.

É uma classificação questionável e precária, que estabelece a possibilidade de uma prisão perpétua, como é o caso do Roberto [Champinha]. Isso é proibido no Brasil e, portanto, é uma decisão injusta. Se ele faz de forma consciente, ele deve ser responsabilizado, condenado e ir à penitenciária cumprir a pena. Os ditos psicopatas em manicômios é um equívoco histórico para o sistema de Justiça.

Pessoas com transtorno mental devem receber cuidados no SUS

Quando há de fato um transtorno mental que prejudique o entendimento dos atos, essa pessoa deveria receber apoio da rede pública de saúde —conforme a decisão do CNJ.

Em Goiás, o programa idealizado por Caetano virou exemplo no país. Em 2006, o estado fechou todos os hospitais de custódia/manicômios para que as pessoas passassem a ser tratadas pelo SUS (em ambulatórios, UBSs e Caps). Já foram atendidas quase mil pessoas no Paili (Programa de Atenção Integral ao Louco Infrator) —destas, explica ele, apenas 3 praticaram um novo crime.

"Com a nova resolução, a coisa precisa mudar. Lidamos com um público marginalizado, na qual a maioria são pessoas negras dentro desses manicômios", diz.

Caps podem ser alternativas para pessoas com transtorno mental que cometem crime Imagem: Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro/Divulgação

Como tratar a psicopatia? Quais soluções?

Não existe uma cura para a psicopatia, nem um tratamento medicamentoso específico. Há terapias voltadas para os sintomas que mais se manifestam, como controle de impulsividade.

Medicações podem ajudar no controle de alguns sintomas e características podem ser trabalhadas em terapia.

É possível trabalhar com a prevenção na primeira infância, uma vez que as vivências desta fase podem ter grande impacto no diagnóstico na psicopatia.

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