Polícia cita crimes do 8/1 ao prender manifestantes contra alta de passagem
A Polícia Civil de São Paulo citou contra 13 manifestantes detidos durante um protesto contra o aumento da passagem de trem e metrô, nesta quarta-feira (10), os crimes de corrupção de menor, associação criminosa e abolição violenta do Estado democrático de Direito — esses dois últimos são os mesmos crimes pelos quais foram condenados participantes dos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023.
De acordo com testemunhas, um grupo de 25 pessoas foi parado pela PM por volta das 18h, perto da praça da República, na região central. Elas estavam a menos de 500 metros do Theatro Municipal, onde se concentrava a manifestação. Após revista, todos foram encaminhados ao 3º Distrito Policial, no bairro de Campos Elíseos.
Na delegacia, o grupo prestou depoimento. Dos 25, 12 foram liberados no final da noite — dois tinham menos de 18 anos. Outros 13 ficaram detidos porque, segundo os policiais, portavam objetos ilícitos.
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Conforme o UOL apurou, na manhã de quinta-feira (11) os adultos aguardavam audiência de custódia, e seis adolescentes, que estão na Fundação Casa, devem passar por oitiva no Ministério Público.
"É uma tentativa de vingança por conta [das prisões dos golpistas] do 8 de Janeiro", disse uma pessoa ligada à manifestação, sob condição de não ser identificada. Outro protesto feito pelo mesmo grupo já havia acontecido no dia 4, numa caminhada da avenida Paulista à praça Roosevelt, também no centro — e ninguém foi preso.
O que diz o BO
O UOL teve acesso ao boletim de ocorrência das prisões ocorridas ontem. Os policiais militares relatam que encontraram com o grupo objetos como faca, canivete e martelo, além de gasolina, garrafas e gases, que combinados "com líquidos inflamáveis são utilizados em protestos contra agentes públicos".
Segundo o documento, as substâncias são usadas para impedir a "atuação dos agentes públicos, podendo causar, inclusive, lesões permanentes e até mesmo a morte e também atentar aos manifestantes que estavam no local de forma ordeira e pacífica."
Os PMs alegaram na delegacia que uma das pessoas detidas disse: "Vocês [a polícia] têm granadas e nós temos gasolina. Vamos pra cima contra esse aumento de tarifa abusivo e contra esse governador autoritário".
Desde 1º de janeiro, o valor das passagens de trem e Metrô passou para R$ 5,00. O reajuste de R$ 0,60 foi anunciado pelo governo Tarcísio de Freitas (Republicanos) em dezembro.
No registro da prisão, a polícia também associa a frase "parar a cidade", presente em mensagem publicada em redes sociais para convocação do protesto, a uma ação que "alimenta por si só um sentimento de enfrentamento, colocando em risco toda a população de bem que ali circula" e motiva "um caos e desordem urbana".
De acordo com o boletim de ocorrência, as 13 pessoas foram autuadas em flagrante. Os crimes de tentativa de abolição violenta do Estado democrático de Direito, associação criminosa e corrupção de menores são citados no relatório do boletim de ocorrência — no resumo do registro, o primeiro crime não consta.
Tanto o relatório como o resumo do boletim de ocorrência serão avaliados pelo Ministério Público, a quem cabe decidir se os suspeitos serão denunciados e por quais crimes.
O UOL procurou a Defensoria Pública, que atua no caso, e a informação foi de que não haverá manifestação neste momento.
"Parar a cidade" não é o mesmo que instituir ditadura, diz professor
Para Gustavo Badaró, professor de direito processual penal da USP, está errada a associação de crime de ataque ao Estado democrático de Direito, nesta situação. Ele afirma que se enquadram nesse tipo de delito pessoas que tentam "praticar um ato de grave violência e ameaças para tentar depor Poderes constituídos, um golpe de Estado".
Sobre a expressão "parar a cidade", citada pelo delegado no boletim de ocorrência, o professor afirma que "não quer dizer que você vai instituir uma ditadura", acrescenta Badaró.
Os manifestantes não estavam ainda praticando nenhum ato de violência. No máximo, atos preparatórios não puníveis. Estar indo para a manifestação portando esses utensílios não caracteriza o crime de tentar abolir o Estado democrático de Direito.
É lamentável que isso aconteça. Isso vai fazer com que todo mundo se sinta impedido de manifestar a liberdade de expressão.
Gustavo Badaró, professor de direito processual penal da USP
O que diz a Secretaria de Segurança Pública
A pasta confirmou o caso em nota enviada ao UOL e disse que "policiais militares atuavam preventivamente na região, acompanhando uma manifestação, quando se depararam com o grupo encapuzado e utilizando máscaras".
No posicionamento, no entanto, a secretaria diz que o episódio "foi registrado como associação criminosa e corrupção de menores".