Brasil tem mais igrejas que escolas e hospitais: quem pode abrir uma?
Ranieri Costa
Colaboração para o UOL
15/02/2024 04h00
O Brasil tem mais igrejas e templos religiosos do que hospitais e escolas juntos, segundo dados do Censo 2022. Uma pesquisa de 2021 do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) trouxe também a informação de que a cada dez estabelecimentos religiosos com CNPJ ativo no país, sete eram de igrejas evangélicas.
Afinal, quem pode abrir uma igreja?
No Brasil, geralmente, qualquer pessoa pode tentar abrir uma igreja. No entanto, há um processo e requisitos específicos que precisam ser seguidos e que podem variar de acordo com a jurisdição local e também com a denominação da igreja.
Em primeiro lugar, uma igreja deve ser registrada como uma organização sem fins lucrativos ou entidade religiosa, seguindo os procedimentos estabelecidos pelo governo. Há também a exigência da criação de uma instituição religiosa, com a redação de estatutos ou documentos de constituição, a nomeação de líderes religiosos reconhecidos, diretoria estatutária, entre outras obrigações.
Institucionalmente, uma diretoria deve prestar contas de forma transparente e responsável sobre todas as informações que envolvem o dinheiro da igreja. É preciso, em algumas instituições, assembleias em que os membros votam para aprovar ou não as contas da Igreja, além de definir com que a instituição irá gastar o dinheiro arrecadado.
A depender da legislação de cada cidade, a escolha do local de culto deve obter permissões e licenças específicas. Alvará de funcionamento e licença do corpo de bombeiros são algumas das exigências.
No Brasil, as igrejas também são isentas do pagamento do Imposto de Renda. Porém, elas são obrigadas a declarar, para que se comprove que não estão desvirtuando a finalidade da entidade —que deve seguir sem lucros.
Obrigações contábeis devem estar em dia. A consultora empresarial Hellen Dadamos explica que, apesar da isenção, toda igreja deve obrigatoriamente ter um profissional de contabilidade —contratado ou voluntário— que possa manter em dia as obrigações contábeis da instituição frente ao fisco. "É imprescindível que a igreja tenha um contador, pois somente ele consegue entregar essas obrigações", disse.
Quando não cumpre esse e outros requisitos, a instituição pode perder a imunidade tributária. Hellen reforça que essa imunidade refere-se apenas aos impostos. Taxas, contribuições de melhoria e impostos sobre a folha de pagamento devem ser pagos pela igreja normalmente.
A Receita Federal inativa CNPJs quando estão há cinco anos ou mais sem cumprir com suas obrigações. Ou seja, as igrejas estão imunes dos impostos, no entanto, devem manter em dia as demais obrigações referentes a qualquer pessoa jurídica.
Regras para as Igrejas Católicas
Tudo começa com reuniões de grupos de fiéis. A Igreja Católica, que possuía até 2021, segundo o Ipea, 11% do total de templos religiosos no país, segue um procedimento para que uma nova igreja seja aberta —além da legislação vigente. Segundo o padre Claudinei Almeida, assessor de comunicação da Arquidiocese de Campinas (SP), uma nova paróquia não é aberta de forma inesperada e às pressas. Ele conta que existe um processo de formação de um grupo de fiéis que começam se reunindo para orações, novenas e missas.
No início, esses encontros podem acontecer em residências ou algum outro espaço que seja apropriado e fique no bairro em que esse grupo reside. "Com a orientação de um padre, chega o momento de adquirir um terreno e construir a igreja", explica Almeida.
O padre lembra que o imóvel comprado sempre será propriedade da diocese. É o bispo que "autoriza e institui uma nova paróquia, e assim nomeia um padre para ser o pastor dessa porção do povo de Deus que se formou", disse. A legalização dessa nova igreja deve ser feita pelo padre que foi nomeado pelo bispo, e tudo sempre estará vinculado ao CNPJ da Cúria diocesana.
Regras para as Igrejas Evangélicas
Variações entre denominações. Em tese, toda denominação evangélica deve seguir os mesmos trâmites da legislação vigente, considerando as esferas municipal, estadual e federal. Entretanto, no que se refere ao rito religioso desse processo, haverá variações de uma denominação para outra.
Pastor se torna responsável por igreja. O pastor presbiteriano Tércio Cândido ressalta a diferença que há nas denominações, mas explica os passos a serem seguidos na igreja que faz parte. Segundo ele, é necessário um "rol de membros, estatuto, eleição de oficiais em assembleia dirigida pelo presbitério e depois a igreja tira seu CNPJ". Nesse contexto, o pastor é o responsável juridicamente pela igreja perante a Receita Federal.
O pastor batista Hilton de Souza conta sobre o processo na realidade batista. Normalmente, uma nova igreja surge a partir da iniciativa de uma "igreja mãe" já estabelecida. Dessa forma, primeiro se inicia uma congregação, com um grupo pequeno de pessoas, e essa "igreja mãe" é a responsável no início pela "igreja filha" até que essa nova instituição tenha condições de se sustentar. Para que a igreja seja aprovada, ela precisará demonstrar conhecer as doutrinas, as práticas administrativas e a teologia da denominação. Só então ela é organizada oficialmente e passa a responder por si.
Igrejas independentes também devem seguir a lei. Vale lembrar que, no Brasil, além das igrejas evangélicas de denominações históricas, há também um número muito expressivo de igrejas independentes que se organizam sem qualquer vínculo denominacional — estas também precisam seguir rigorosamente as leis estabelecidas.