'Tu vai dormir, mas não sabe se vai ter comida no mês', diz taxista no RS
O taxista Jonatan Goettens, 32, relata que passou a transportar moradores de Arroio do Meio (RS) até barcos disponibilizados para quem precisa chegar a Lajeado (RS), cidade vizinha. As chuvas destruíram duas pontes que ligavam os municípios.
O que aconteceu
Casas destruídas, pontes rompidas e trajetos alterados são algumas das consequências causadas pela enchente em Arroio do Meio. O município, de 20.727 habitantes, fica no Vale do Taquari e a cerca de 120 km da capital Porto Alegre. As chuvas tiveram início no dia 27 de abril e se intensificaram no dia 29 em todo o estado.
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O taxista conta que o trajeto que fazia em dez minutos, antes das enchentes, agora leva três horas. "A situação está bem complicada, a cidade foi destruída", afirma ele, que é motorista há dez anos.
Moradores têm sido transportados de barcos para Lajeado. Segundo ele, há alguns voluntários com três ou quatro barcos que levam até seis pessoas por vez. Goettens relata que na manhã de sexta-feira (10) uma balsa com capacidade para 15 pessoas chegou ao local para ajudar no transporte.
Além de levar pessoas até os barcos, Goettens tem ajudado voluntariamente com o transporte de doações. "Em todas as enchentes disponibilizo meus três táxis para buscar e levar doações em qualquer lugar da cidade sem custo", diz ele.
Mesmo após o nível da água ter abaixado, há dificuldade de locomoção. "Tem muito entulho e árvores pelas ruas e, com isso, muitos caminhos que eu não consigo fazer", diz. "É um cenário de guerra, falando assim não dá para ter noção. Só vendo."
O pior momento pós-enchente é ver tudo destruído. Mas o mais doloroso foi no dia da enchente ver as pessoas em cima dos telhados por três os quatro dias e ver as pessoas morrendo levadas pela água.
Jonatan Goettens
Centro da cidade inundado
Lojistas e comerciantes foram prejudicados. Goettens passou os últimos dias transitando pela cidade e, segundo ele, as lojas do centro ficaram alagadas. "Houve muitos saques. Muito triste." Para ele, praticamente todos os moradores foram afetados de alguma forma. "A impressão que dá é que mais de 80% da cidade foi atingida."
Perdas pessoais e no trabalho. O motorista afirma ainda que muitos cidadãos perderam familiares, casa, bens pessoais e o emprego. "Muita gente ficou desempregada agora."
É um medo que todo mundo tem, que quando tu vai dormir fica com ele na cabeça: tu não sabe se daqui um mês vai ter o que comer.
Jonatan Goettens
Água no telhado, móveis perdidos e esposa grávida
Goettens conta que o nível da água chegou ao telhado da casa de seus pais, Elton e Ana Goettens, de 56 e 57 anos. "Colocamos as coisas num apartamento em frente, mas a água também atingiu o apartamento. Perdemos algumas coisas", diz. Segundo ele, a família perdeu duas geladeiras, duas camas, três roupeiros, uma cozinha inteira e mesas.
O motorista lembra que havia enfrentado duas outras enchentes — em setembro e novembro do ano passado. "A pior foi essa, foi um desastre que afetou toda a região: comércio, fábricas. Não sabemos se vamos ter forças para reconstruir tudo. Vai ser bem difícil para todos", lamenta.
A esposa de Goettens, grávida de pouco mais de oito meses, não consegue acompanhar as notícias sem chorar. "Ela é de Porto Alegre e vendo a notícias de lá, das crianças e mulheres abusadas, ela chora. Ela queria ir visitar as crianças que perderam os pais no município de Alvorada. Não tem sido fácil para ela."
Goettens faz parte do grupo de 314 moradores de Arroio do Meio que receberam um auxílio do governo estadual no ano passado. As doações foram depositadas em conta da Associação dos Bancos do Estado do Rio Grande Sul e gerenciada por um Comitê Gestor formado por integrantes do governo do Estado e entidades da sociedade.
O valor ajuda, mas não é suficiente, segundo ele. O motorista diz que além dos R$ 2.500 recebidos do governo estadual, recebeu também doações de outras pessoas que contribuíram. "Com o dinheiro, consegui comprar coisas para a casa do meu pai e reformar a casa da minha avó."
O motorista disse que tem clientes cujas perdas foram maiores. "Conheço pessoas que perderam tudo e saíram só com a roupa do corpo de casa", lembra.
Passamos por duas grandes enchentes no passado, mas nada comparado a essa. Foi um desastre o que aconteceu. Muito triste.
Jonatan Goettens, motorista em Arroio do Meio