Governo gasta quase o triplo com impactos de desastres do que em prevenção
O governo federal gastou R$ 11,1 bilhões nos últimos dez anos para gerir as crises causadas por desastres naturais. Esse valor é quase o triplo dos R$ 4 bilhões que foram desembolsados no mesmo período para prevenir essas mesmas tragédias, informa levantamento do TCU (Tribunal de Contas da União).
O que aconteceu
O UOL extraiu os dados do Painel de Informações do tribunal. A corte levantou as ações da Sedec (Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil), órgão ligado ao Ministério da Integração e Desenvolvimento Regional "responsável por coordenar as ações de proteção e defesa civil em todo o território nacional", cuja "atuação tem o objetivo de reduzir os riscos de desastres".
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O gasto com "Gestão de Riscos e Desastres" (soma das duas despesas) no período foi de R$ 15,7 bilhões. Desse total, apenas 36% foram destinados à prevenção (R$ 4 bi). O UOL só considerou os valores efetivamente desembolsados pelo governo entre 2014 e 2023, uma vez que parte dos gastos anunciados podem ser retidos (contingenciados) ao longo do ano.
Esses gastos vêm caindo ao longo do tempo, apesar do aumento dos desastres nos últimos anos. Em 2014, o governo repassou R$ 2,8 bilhões para Gestão de Riscos e Desastres, contra R$ 1,7 bilhão no ano seguinte.
Os menores aportes foram no governo Bolsonaro. Em 2021, o ministério só desembolou R$ 914 milhões. No governo Lula, o valor chegou a R$ 1,3 bilhão no ano passado.
O UOL não considerou os gastos para 2024 porque o ano ainda não terminou. O governo reservou R$ 2,6 bilhões para gastar ao longo do ano, o maior valor desde 2015, quando a União reservou R$ 2,9 bilhões e repassou R$ 1,7 bilhão.
O Ministério da Integração disse que seu principal papel é responder pelas resposta aos desastres. "As políticas de prevenção são transversais às diversas pastas", especialmente ao Ministério das Cidades, disse em nota.
A política de riscos e desastres foi esvaziada após o impeachment da presidenta Dilma, culminando com o fim do Ministério das Cidades no governo anterior, e com a diminuição de políticas públicas correspondentes, que estão sendo retomadas neste governo. Ministério da Integração e Desenvolvimento Regional
Omissão aumentará tragédias
Em um desastre, sempre se fala em reconstrução, número de mortos e desabrigados, mas ninguém fala em prevenir. Reconstrução todo mundo [políticos] mete a mão e quer dar dinheiro. Mas na prevenção você só vai ver o resultado em anos, e isso não enche os olhos. Tem que ter uma parceria entre os governos [que se sucedem].
José Marengo, do Cemaden (Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais)
Além do governo federal, deputados e senadores também são responsáveis. Desde o início de 2023, só uma deputada federal indicou recursos para mitigar as mudanças do clima no Rio Grande do Sul.
As autoridades precisam entender que nada é como antes e que a omissão vai resultar em mais tragédias. Tem quem desconhece e tem quem joga contra, mesmo sabendo o que vai acontecer. Podemos comparar com a vacina da covid: se você não acredita no vírus, vai prevenir pra quê?
Márcio Astrini, Observatório do Clima
2 mil mortos em uma década
Os desastres naturais no Brasil mataram 1.997 pessoas entre 2013 e 2023. Essas tragédias resultaram em prejuízos de R$ 401 bilhões ao país, segundo a Confederação Nacional dos Municípios.
Entre 2019 e 2024, quatro grandes tragédias chocaram o Brasil. Em 2019, 270 pessoas morreram em Brumadinho, depois que uma barragem de rejeitos minerais operada pela Vale e Tuv Sud se rompeu.
Em 2022, a região serrana do Rio passou pela sua pior tragédia. Em Petrópolis, 237 pessoas morreram. Naquele 15 de fevereiro, choveu na cidade o equivalente ao mês todo, provocando inundações.
Em 2023, no litoral paulista, 65 morreram. As fortes chuvas provocaram 600 pontos de deslizamentos e deixaram 2.000 pessoas desalojadas.
Desde o dia 29 abril deste ano, 126 pessoas morreram no Rio Grande do Sul. O desastre, considerado o pior já vivido pelo estado, deixou também 141 desaparecidos e mais de 339 mil desalojados. Os números podem ser ainda maiores após atualizações.
O Rio Grande do Sul é emblemático pois entrou 2023 com seca e terminou embaixo d'água. A lição é que precisamos aceitar que vivemos uma condição climática diferente. Precisamos preparar e alertar as pessoas para isso.
Márcio Astrini, Observatório do Clima