Homem dorme no estacionamento de hospital para manter tratamento de câncer
Tratando um câncer no pâncreas, Astelio Miguel dos Santos, 47 anos, estava desesperado porque a enchente alagou as ruas e fez ele perder quatro sessões de radioterapia. Inconformado, o paciente deu um jeito de dirigir até a Santa Casa de Porto Alegre e passou a dormir no estacionamento do hospital.
O que aconteceu
Uma ressonância em dezembro do ano passado mostrou redução do tumor pela metade. Miguel estava apavorado. Faltar ao tratamento era a ameaça de a doença avançar de maneira fatal.
Quando perdeu a quarta sessão, ele percebeu teria de fazer algo. Determinado, arrancou o banco do carona e o banco traseiro de seu Fiat Uno, que passaria a servir de moradia.
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Um colchão foi colocado no espaço aberto dentro do carro. A cama improvisada foi colocada em cima de madeiras que serviam de estrado e dava sustentação a engenhoca.
O carro foi estacionado no subsolo da Santa Casa na quarta-fera da semana passada. Ele ficou uma semana perambulando pelos hospitais ou deitado no interior do Uno.
Não estava desconfortável para dormir, dava para se esticar bem. O problema era a movimentação no estacionamento que não deixava dormir direito,
Astelio Miguel dos Santos, paciente de oncologia
12 horas no trânsito
Um cobertor foi colocado sobre o Uno para tapar as janelas. Miguel ganhou privacidade e uma barreira contra a claridade das lâmpadas.
Ele faz cinco sessões de radioterapia por semana - de segunda a sexta-feira. Mas a enchente tornou o caminho a casa e o hospital um suplício.
Miguel mora em Campo Bom, cidade da Região Metropolitana de Porto Alegre. Do portão de casa até a Santa Casa são exatos 49 quilômetros. Mas a cheia inundou ruas e estradas e os desvios triplicaram a distância para 150 quilômetros.
O paciente passava até 12 horas ao volante - 6 horas na ida, 6 horas na volta. O desconforto era maior porque nem sempre o corpo reagiu bem à radioterapia. Ele sentiu náuseas e sensação de cansaço.
Para piorar, era Miguel quem dirigia. Levar a mulher e a filha seria expor o restante da família a ficar ilhada ou morrer no trânsito caótico da região metropolitana.
Abrigo especializado
Miguel se "mudou" na quarta da semana passada. Ficou quase uma semana no carro convertido para uma espécie de mini-motorhome. Nesta semana, veio um alívio.
Desde ontem, Miguel dorme em um abrigo especializado em pacientes em tratamento de câncer. Ele foi avisado sobre a estrutura pelas enfermeiras da Santa Casa e fez o cadastro.
Recebeu uma ligação duas horas depois de preencher um formulário na internet. A vida mudou de forma considerável - e para melhor desta vez. Ele dorme em um lugar com médico e residentes monitorando os pacientes.
As refeições são balanceadas e preparadas por orientação de nutricionistas. Cada pessoa que chega passa por entrevista para saber o cardápio mais adequado a seu organismo. Miguel não come vários alimentos porque tem diabetes.
Carros de voluntários levam os pacientes para o hospital. Na sequência do dia, Miguel pode relaxar. Ele diz que o conforto não se compara a ficar deitado dentro do Uno quase o dia inteiro.
Como amanhã é sexta, ele segue da radioterapia para Campo Bom. Vai matar a saudade da mulher e da filha.