RS: Em meio a casas soterradas, vítimas se dividem entre ficar ou ir embora
Não é a primeira vez que os moradores de Muçum, no Rio Grande do Sul, sofrem com enchentes do rio Taquari. Só nos últimos nove meses, foram três. Desta vez, as marcas das inundações estão espalhadas por toda a cidade: nas ruas, nos morros e com marcas d'água até sobre o teto das casas de madeira.
Debaixo de uma ponte, que já havia cedido na enchente que atingiu a cidade em setembro do ano passado, é difícil encontrar uma casa que não tenha sido destroçada. Muitas delas, têm móveis revirados na parte de dentro. Outras, estão cobertas com lodo e muita lama na parte de fora - cobrindo as janelas ou chegando ao segundo andar.
Uma rua atrás, moradores limpavam o que restou, e se dividiam entre permanecer ou fugir - da casa e da cidade, de uma vez. Desde setembro, quando a primeira grande enchente atingiu o município, uma das creches de Muçum perdeu 40 alunos. Desta vez, espera-se que mais famílias, com ou sem crianças, também deixem a cidade.
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A cuidadora de idosos Renata Calezari, 30 anos, caminhava por uma das ruas mais afetadas da cidade de Muçum na tarde desta quarta-feira (15). Seu local de trabalho foi destruído. Enquanto caminhava, recebia de voluntários que passavam pelo local de carro comida e água.
"A gente perdeu tudo dentro de casa. Na hora da enchente, eu estava em casa. Foi rápido. Os vizinhos ajudaram, né? Tem pessoas boas ainda, que ajudaram", diz. Depois da entrevista, ela foi a uma agência bancária, na cidade limítrofe de Encantado, "para correr atrás" e descomplicar burocracias.
Vizinhos, o pedreiro Fabiano Zonata, 43, e a cabeleireira Elisandra Fredo, 37, fazem planos diferentes a partir de agora. Ele não quer sair de casa. Ela, com lágrimas escorrendo dos olhos enquanto fala sobre o assunto, diz que pretende deixar a cidade onde nasceu.
Não é fácil, porque tu adquire as coisinhas dentro de casa, aos pouquinhos, e dali a pouco, quando tu vê, tu tem que tirar tudo ligeiro, né? Graças a Deus que a gente conseguiu tirar, mas a cabeça, fica a milhão. É um turbilhão de coisas
Fabiano Zonata
Atualmente, Zonata vive com a mulher e o filho, de 4 anos, em um abrigo improvisado numa escola da cidade. Diz não passar fome, sede, nem frio.
Citando que muitos municípios do estado foram afetados pela enchente, o pedreiro diz que não pretende deixar a casa, nem Muçum. "Acho que vou ter que ficar por aí por enquanto, né? Não tem muito lugar seguro aqui. A ideia agora é limpar e torcer pra não chover mais", afirma.
"Meu nenê não entende direito, né? A cabecinha deles muda também, não dá pra dizer que não. Ele está toda hora perguntando: 'pai, quando que a gente vai voltar pra casa?', aí é complicado, né? Corta o coração da gente", conta.
É o filho quem determina, também, a decisão da cabeleireira Elisandra, mas no sentido oposto. "Eu tenho um filho de 9 anos. E isso, pelo que a gente vê, vai acontecer sempre, e cada vez com proporção pior. É difícil a gente criar os filhos sempre vivendo assim, entendeu? Não tem perspectiva", relata.
Ele sabe que aconteceu, mas evito deixar ele no meio da bagunça pra não vivenciar. Tem bastante gente que traz os filhos junto pra ajudar a ficar limpando o lodo, mas eu não quero.
Elisandra Fredo
"Eu sinto em largar esse lugar. Eu amo esse lugar. Eu fui muito feliz aqui. É um lugar tranquilo, um lugar seguro. A gente tem uma qualidade de vida, mas só que não dá pra viver assim, não tem condições", finaliza Elisandra.
Veja como ajudar as vítimas de enchentes no RS
Organizações em todo o país que recebem doações para o Rio Grande do Sul pedem que as contribuições sejam principalmente de água mineral engarrafada, produtos de higiene pessoal, colchões, cobertores e roupas de cama; além de roupas infantis, alimentos não perecíveis, cestas básicas fechadas e ração para pets.
Lançado após a enchente que atingiu o Vale do Taquari em setembro de 2023, o site SOS Rio Grande do Sul foi reformulado e é atualizado frequentemente com os itens mais necessários para doação. Consulte para saber o que, como e onde doar.