'Maconha dos playboys' invade baladas da elite de SP com cigarros a R$ 500
Uma maconha mais potente feita em laboratório a partir do haxixe tem abastecido baladas da elite de São Paulo nos últimos meses. Segundo a Polícia Civil, um cigarro da droga pode custar até R$ 500.
A "maconha dos playboys", como é chamada pelos investigadores, é vendida em aplicativos de celular e grupos restritos de WhatsApp. As entregas são feitas em motos, indicam as investigações às quais o UOL teve acesso.
A droga tem sido adquirida principalmente em festas privadas em bairros nobres da capital paulista, como Itaim Bibi, ou em Alphaville, em Barueri. Os consumidores são pessoas com alto poder aquisitivo, como médicos, advogados ou filhos de empresários, diz a Polícia Civil. Um deles foi flagrado pela investigação com um veículo avaliado em mais de R$ 300 mil.
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Uma ação da Dise (Delegacia de Investigações sobre Entorpecentes) no dia 4 deste mês fechou um laboratório onde a droga era produzida em Carapicuíba, na Grande São Paulo. Na ocasião, os agentes prenderam um homem de 37 anos, que estava armado.
Além dele, outros dois suspeitos já foram detidos ao longo das investigações, que começaram há dois meses. Eles respondem por crimes como tráfico de drogas, associação para o tráfico e associação criminosa.
Esses traficantes se especializaram na fabricação em laboratório com componentes químicos de uma maconha mais potente voltada para um público elitizado. É uma droga gourmetizada e vem até com essência de sabor. Ela não é vendida em biqueira, só em grupos restritos de WhatsApp e em aplicativos.
Estevão Castro, delegado responsável pela investigação na Dise
Embora a produção não seja em larga escala, os investigadores estimam que o laboratório estivesse com uma quantidade de droga capaz de ser comercializada por até R$ 50 mil.
Mais potente e raras apreensões
A "maconha dos playboys" é mais potente devido à alta concentração de THC, como é chamada a substância psicoativa encontrada na cannabis, causando efeito prolongado, segundo quem já experimentou a droga.
[Ao usar a maconha mais potente produzida em laboratório], você fica mais alegre, leve e anestesiado por mais tempo.
Programador de TI, 25, ao comparar a droga com a maconha comum
A droga é novidade até para a Polícia Civil de São Paulo. Levantamento feito pela SSP-SP (Secretaria da Segurança Pública de São Paulo) a pedido do UOL rastreou apenas nove apreensões de 2022 para cá da maconha do tipo dry, uma das modalidades da droga gourmetizada produzida em laboratório.
De acordo com o Denarc (Departamento estadual de Prevenção e Repressão ao Narcotráfico), responsável por essas operações, cinco delas ocorreram no ano passado.
Uma delas ocorreu em junho de 2023, quando policiais civis prenderam dois homens responsáveis por fabricar a "maconha dos playboys" em um bar de fachada em Praia Grande, no litoral de São Paulo.
'Maconha gourmet' é vendida em cardápio
A "maconha dos playboys" tem diferentes texturas e até essência de sabor. As combinações químicas e especificações constavam em um cardápio que circulava em grupos restritos de WhatsApp e aplicativos, segundo a Polícia Civil.
O preço do grama era variado, mas voltado para pessoas de alto poder aquisitivo, indicam os investigadores.
Ela pode ser também chamada de "dry marroquino", com textura que se assemelha a uma massa de coloração escura para ser enrolada em um papel fino e consumida em formato de cigarro.
Em outra modalidade mais cara e concentrada conhecida como "ice", é vendida em pedra, em um formato parecido com o crack. Há ainda outra opção conhecida como "meleca", em formato mais pastoso.
Alucinações e alterações psíquicas
Especialistas consultados pelo UOL dizem que a substância é mais nociva em comparação à maconha comum e pode causar problemas psicológicos, principalmente se houver uso contínuo a médio ou longo prazo.
Os efeitos são muito mais potentes dessas novas drogas manipuladas em laboratório que entram no mercado. Elas são mais caras, saindo do mercado das biqueiras para circular na classe média e classe média alta.
Carlos Augusto Pereira de Almeida, cientista social , cientista político e pesquisador
Coordenadora do grupo de toxicologia do Conselho Regional de Farmácia de São Paulo e membro do conselho estadual de drogas de SP, a perita criminal aposentada Silvia de Oliveira Santos Cazenave diz que a preparação em laboratório da maconha nesses moldes é recente no Brasil.
"A partir da planta da maconha, pode ser feito o haxixe, que é uma resina mais concentrada. O 'dry' é esse preparado do haxixe ressecado, que passa por tratamentos químicos para ter um alto teor de THC. O uso dessa droga causa sensação com mais intensidade de alteração da percepção de tempo e espaço".
Ela alerta para a probabilidade de "alterações psíquicas importantes" para quem usa a droga com frequência por longos períodos.
Não posso dizer que quem faz uso desse cigarro preparado vai ter psicose, porque isso depende de pessoa para pessoa. Existe risco de alteração psiquiátrica por causa do rompimento metabólico do cérebro, que pode ter dificuldade para lidar com concentrações tão altas de substância psicoativa. A pessoa que fizer uso contínuo dessa maconha pode ter uma perturbação mental.
Silvia Cazenave, toxicologista e farmacêutica
O criminalista Cristiano Maronna alerta para o risco de aumento desordenado da potência da droga em laboratórios, já que a droga é ilegal no Brasil.
"Hoje, existe uma diversificação de produtos de alta potência com maior risco em um mercado clandestino, que pode desencadear problemas psicológicos em um contexto em que a droga é ilegal. Esses danos poderiam ser reduzidos se houvesse limitação de THC e modelos regulatórios", diz o advogado, autor do livro "Lei de Drogas Interpretada na Perspectiva da Liberdade.