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TJGO anula ação que condenou médico por postar vídeo de negro acorrentado

Tiago Minervino

Colaboração para o UOL, em São Paulo

17/06/2024 12h24

O Tribunal de Justiça de Goiás anulou processo que havia condenado o médico Márcio Antônio Souza Júnior pelo crime de racismo por filmar e divulgar imagens de um caseiro negro acorrentado.

O que aconteceu

Competência para julgar o caso é da Justiça Federal, não da Justiça Estadual. Essa foi o entendimento do desembargador Nicomedes Borges, que anulou o processo contra o médico "em virtude da incompetência absoluta da Justiça Estadual". A decisão é do dia 13 de junho.

Vídeo foi publicado em perfil aberto no Instagram. Nesse caso, diz a decisão, o Superior Tribunal de Justiça determina que a competência para o julgamento do fato é da Justiça Federal, haja vista que "a extração da potencial internacionalidade do resultado advém do nível de abrangência próprio de sítios virtuais de amplo acesso".

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Postagem feita pelo médico ficou submetida "ao arbítrio do algoritmo" do Instagram. Para o desembargador, a inteligência artificial se valeu "de critérios próprios para direcionar [o vídeo do caseiro acorrentado] para públicos-alvo de quaisquer dos seis continentes terráqueos".

Não bastasse a ampla divulgação nacional da discriminação racial hipoteticamente praticada pelo apelante, tem-se que o perfil pessoal [dele] no tempo do fato era do tipo aberta, ou seja, que permitia acesso irrestrito de qualquer usuário do Instagram, independentemente de sua localização no planeta [...] Diante de todas essas circunstâncias, compreendo que o Juízo da Vara criminal da comarca de Goiás não detinha competência para processar e nem tampouco para condenar Márcio Antônio Souza Júnior, sendo, portanto, a ação penal nula de pleno direito, desde o seu nascedouro.
desembargador Nicomedes Borges

Defesa diz acreditar na Justiça e reiterou que o episódio se tratou de uma "brincadeira entre amigos". Ao UOL, o advogado criminalista Pedro Paulo de Medeiros disse que o médico "reafirma seus sinceros pedidos de desculpas pela infeliz e despropositada brincadeira que, com seu amigo, fez sobre um tema tão importante e sensível para nossa sociedade, confirmando que ambos nunca tiveram qualquer intenção de incentivar qualquer tipo de discriminação ou de racismo, o qual sempre aprenderam, com suas famílias, a combaterem".

Caseiro não trabalha mais com o médico. O homem negro filmado por Márcio Antônio continuou prestando serviços para ele "até pouco tempo atrás", mas deixou seus serviços na fazenda do médico, conforme a defesa.

A Justiça Federal de Goiás disse que ainda não recebeu a denúncia. Em nota, o órgão informou que a Justiça Estadual precisa notificar as partes relacionadas para que o processo chegue à esfera Federal e só então será analisado.

Relembre o caso

Em fevereiro de 2022, Márcio Antônio Souza Júnior postou vídeo de um homem negro acorrentado no Instagram. A gravação foi feita em uma fazenda de propriedade do médico em Goiás e, na ocasião, o profissional de saúde aludiu ao período da escravidão ao dizer que o funcionário estava em sua "senzala".

Nas imagens, o homem negro aparecia com correntes nas mãos, nos pés e no pescoço. "Falei para estudar, mas não quer. Então vai ficar na minha senzala", falou Márcio Antônio na época.

A vítima da gravação recebia um salário mínimo para realizar serviço pesado, segundo a investigação do Ministério Público.

Médico foi condenado por danos morais coletivos. Em novembro de 2023, o TJGO sentenciou Márcio Antônio a pagar indenização de R$ 300 mil a duas associações, além de prestar serviços comunitários. A defesa e o Ministério Público recorreram da decisão, mas o processo agora foi anulado e transferido para a esfera Federal. Ainda não há data para o novo julgamento.

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