'É ridicularizada, mas importante': ufologia vira ocupação reconhecida
Jaleco branco e estetoscópio ao pescoço: essa é a imagem que os pacientes do médico cardiologista Júlio Acosta-Navarro, 59, veem com frequência. Peruano naturalizado brasileiro, ele é doutor em cardiologia pelo Instituto do Coração da Faculdade de Medicina da USP e colaborador da mesma instituição.
O que poucos sabem é que, longe dos consultórios, ele desvenda outros mistérios: Júlio é ufólogo, ou seja, se dedica a estudar fenômenos relacionados à presença de discos voadores e extraterrestres —ocupação que despertou sua atenção ainda na adolescência, bem antes de as ciências médicas se tornarem sua profissão.
Esse interesse em ufologia me acompanha desde os 14, ao ler que toda a tripulação de um navio espanhol viu mais de 50 óvnis. A partir daí, comecei a procurar em todos os jornais do meu pai menções aos óvnis, e assim começa a história que me acompanha por toda a minha vida.
Júlio Acosta-Navarro
Diretor e fundador da Academia Latino-Americana de Ufologia Científica, criada em 2011, Acosta-Navarro foi um dos que "lutou" para o reconhecimento da ufologia como uma ocupação —a Academia promoveu debates sobre o tema e participou de um grupo de trabalho do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) sobre o assunto.
Tudo começou depois de um fórum promovido pelo grupo, chamado de "Ufólogo como profissão". Uma semana depois desse evento, um dos membros da Academia apresentou a proposta de reconhecimento ao MTE.
"Vários colegas participaram dessa discussão. Me sugeriram que houvesse um grupo de trabalho, em que fui um dos primeiros membros, designado para fazer um estudo e dar entrada no pedido de reconhecimento da ocupação", diz Wilson Oliveira, de 63 anos, membro da Academia, professor aposentado e morador de Brasília.
Deu certo.
Ufólogo, uma ocupação
Em junho, a pasta incluiu os ufólogos na CBO (Classificação Brasileira de Ocupações). O guia elenca mais de 2.600 ocupações e a ufologia está entre as 19 que aparecem pela primeira vez na lista.
Na família ocupacional de "esotéricos e paranormais", os ufólogos podem "orientar pessoas e organizações, eleger momentos e locais por meio de oráculos ou de dons de paranormalidade e ministrar cursos".
Mas ufologia não é profissão —para isso, precisaria estar regulamentada por lei. A nova menção na CBO, no entanto, pode ser um primeiro passo para o reconhecimento, acreditam ufólogos ouvidos pelo UOL.
Nenhum país no mundo tomou uma atitude, um reconhecimento disso. Se olharmos o histórico de reconhecimento por lei, veremos que é algo que acontece posteriormente à consagração de uma determinada profissão. Nesse sentido, acredito que mais à frente se reconhecerá ainda mais, como profissão e com ingresso no ensino.
Júlio Acosta-Navarro
'Buscamos respostas'
Para Rose Casttro, professora universitária de jornalismo e integrante da Academia Latino-Americana de Ufologia Científica desde 2015, "a ufologia é ridicularizada, e subestimada, mas desempenha papel importante na expansão dos horizontes do ser humano".
A ocupação está na busca de novas respostas sobre a existência do ser humano, sobre o universo, promove o pensamento crítico e a investigação científica. Quando, por exemplo, estudamos o relato de avistamento de óvnis, estamos na verdade explorando os limites do conhecimento humano e desafiando as nossas próprias percepções do que é possível.
Rose Casttro
Ela diz que a ufologia pode ser usada como um registro histórico. "Nos interessamos por todos os relatos de óvnis da história da humanidade. No mínimo, isso vai trazer um grande banco de dados para as futuras gerações", completa.
Relatos e estudos: o que fazem os ufólogos
Entre os estudos feitos pelo grupo de Acosta-Navarro, está uma pesquisa que se debruça sobre os chamados "contatos de quinto grau" —em que, supostamente, há contato de seres humanos com extraterrestres.
Ele defende a ideia de que seu grupo se apoia em uma metodologia científica e vê o levantamento como um "marco" da academia de ufologia.
O estudo foi publicado em 2016 na revista científica World Journal of Research and Review, com relatos de 72 casos de pessoas que supostamente teriam tido encontros com extraterrestres.
Embora a publicação não seja reconhecida com prestígio na comunidade científica, o ufólogo afirma ter usado ferramentas de rigor científico.
O levantamento classificou 25 casos como de alta probabilidade de serem reais. Os participantes precisaram responder 90 questões sobre o suposto encontro.
Para participarem, também era preciso atender a 12 critérios criados pelos pesquisadores —como coerência, lógica, presença de testemunha nos eventos, provas físicas como filmes e fotos ou evidências físicas como lesões e cicatrizes.
O entrevistado tem de convencer dois pesquisadores entre três para que se enquadre no critério de alta probabilidade. O tempo médio de análise de cada entrevistado foi de três meses.
Pelo menos 18 dos entrevistados dizem ter recebido informações econômicas e sociais dos supostos extraterrestres —que continham críticas ao nosso sistema capitalista. Entrevistados também citaram menções à dieta vegetariana como um "estilo de vida" recomendado pelos visitantes.
Entre os motivos para a visita, de acordo com os entrevistados, estariam estudo, exploração, missão, alerta para humanidade, perigo de risco nuclear e até "despertar da consciência".
Acosta-Navarro conta que ele mesmo já presenciou "fenômenos de contato" após se interessar pela área. "Embora não costume falar publicamente porque sou cientista e formador de opinião, não pretendo e nem devo sustentar teses me apoiando em experiências ou crenças pessoais."
Nasa e os UAPs
Em setembro do ano passado, a Nasa divulgou um relatório sobre "fenômenos anômalos não identificados" (UAPs, em inglês), também chamados de óvnis de forma popular. Apesar de reconhecer a existência, a agência espacial nega a relação com extraterrestes —e teme que sejam de países como China e Rússia.
Agora, finalmente, se admitiu que existem objetos voadores não identificados, mas eles não afirmam que são extraterrestres. A afirmação é que podem colocar em risco a segurança nacional, mas nós, que pesquisamos ufologia, sabemos que a coisa é mais embaixo.
Rose Casttro