Comandante da Voepass morto em acidente queria honrar memória da mãe
O piloto Danilo Romano aguardava a hora de embarcar para Madri quando encontrou uma antiga amiga no aeroporto de Guarulhos, em São Paulo. Então abriu um sorriso. Era abril de 2024.
Desde que conhecera Danilo, quando o rapaz tinha 19 anos, Heloíse Toledo ficara impressionada com o sorriso dele — largo, com dentes bonitos.
Naquele dia, não foi diferente. Felizes com o reencontro, os dois se abraçaram.
"Cara, você realizou seu sonho", Heloíse comentou. Danilo confirmou. Disse que estava feliz por, finalmente, ter se tornado comandante. À realização profissional somavam-se outras.
O casamento era uma. A corrida era outra. Afirmou que o esporte — que pode ser praticado na rua, sem marcação prévia — era a melhor opção para alguém com a rotina dele, que vivia de cidade em cidade.
Depois do rápido reencontro, os dois se despediram e ela embarcou para a Espanha. Ele aguardou pelo voo seguinte.
Milk shake com batata
Quando soube que Danilo era o comandante do avião caído em Vinhedo (SP), foi a lembrança do encontro em Guarulhos o que primeiro veio à mente de Heloísa.
"Ele deixava qualquer ambiente leve", disse ao UOL.
Os dois se conheceram em 2008, no call center de reservas de passagens da TAM, onde trabalhavam. O escritório ficava num prédio da rua da Consolação, em São Paulo.
No intervalo de 30 minutos para o almoço, costumavam comer um sanduíche com batatas fritas, acompanhado de milk shake, no McDonald's mais próximo.
Gostavam de conversar sobre o Palmeiras, o time dos dois.
A turma do trabalho era integrada — "uma família", na definição de um ex-colega de trabalho de Danilo que pediu para não ser identificado na reportagem.
Porta de entrada na aviação
Um aspecto unia os funcionários: eram quase todos de famílias com poucos recursos financeiros.
Moravam longe da região central de São Paulo e viam no trabalho de atender aos telefonemas dos clientes um trampolim para uma posição melhor dentro da empresa.
Na época, Danilo morava na Penha, na zona leste de São Paulo. Como muitos ali, usava o salário para custear a faculdade — ele cursou aviação na Universidade Anhembi Morumbi — e as horas de voo na escola de aeronáutica de Jundiaí, no interior paulista.
"Era uma porta de entrada muito comum para quem fazia faculdade de aviação, como eu e ele", conta o antigo colega.
Os atendentes do call center participavam dos eventos da empresa — oportunidade para fazer networking — e tinham preferência (em relação aos que não eram funcionários) nos processos de recrutamento.
No serviço, todos os colegas de trabalho de Danilo sabiam que ele estava ali porque queria ser comandante.
Os atendentes cumpriam seis horas por dia, na escala 6x1.
Entravam na equipe após um mês de treinamento, em que aprendiam o funcionamento do sistema de reservas e tinham na ponta da língua as siglas de todos os aeroportos do Brasil.
Apostilas nos intervalos
Por ser "extremamente inteligente e esforçado", nas palavras do ex-colega, com um ano de serviço Danilo foi promovido ao chamado "backoffice" — o setor administrativo do call center.
No espaço de trabalho, acomodava as apostilas da faculdade, para estudar nas eventuais brechas do serviço.
Certo dia, durante o expediente, recebeu um telefonema que o atordoou. Soube que a mãe, Joselma, tinha passado mal, em casa. Num desfecho imprevisível, ela morreu.
Danilo era filho único. Em casa, ficaram apenas ele e o pai, Pietro.
Ao retomar as funções no escritório, enlutado, disse aos colegas que dobraria os esforços para chegar à cabine de comando de uma aeronave.
Tornar-se piloto já não era apenas um projeto pessoal. Era uma maneira de honrar a memória da mãe.