Ele virou pai solo de 4: 'Tive de explicar que corpo da mamãe não aguentou'
Priscila Carvalho
Colaboração para o UOL
27/08/2024 05h30
Muitas vezes, tinha vontade de ficar na cama sofrendo e chorando. Mas eu não tinha essa opção. Tenho quatro crianças para criar e preciso passar força para eles.
Thiago Lopes
Foi de repente que o arquiteto Thiago Lopes, de 41 anos, virou pai solo. A esposa Rayssa morreu em setembro do ano passado, aos 36 anos, vítima de um câncer agressivo. E deixou quatro filhos: dois meninos e um casal de gêmeos, que hoje têm seis, cinco e dois anos, respectivamente.
O início da história
Os dois se conheceram na faculdade, quando faziam arquitetura. Foram nove anos namorando e seis morando juntos. Construíram uma clínica de estética e tiveram os quatro filhos.
A rotina era agitada e cheia de afazeres por causa das crianças, mas tudo parecia ir bem. "Ela sempre foi uma mãe companheira e dava muito amor para as crianças."
Um dia ao colocar um dos filhos para dormir, Rayssa recebeu um leve chute da criança na barriga e sentiu muita dor na região do estômago. "Ela colocou a mão e sentiu um nódulo. Depois, começou a ter um pouco de enjoo e pensamos até que ela poderia estar grávida outra vez", diz Thiago.
Antes disso, já havia sentido fortes dores na mesma parte do corpo, mas não levou em consideração: os dois acreditaram que poderia ser algo relacionado à alimentação ou qualquer outro problema.
'Médico ficou assustado'
Os sintomas não passavam e, em junho do ano passado, Rayssa procurou um médico. Fez exames e logo veio o diagnóstico: câncer no estômago, com metástase no peritônio, membrana do corpo que reveste o interior do abdome e que protege outros órgãos.
O médico já ficou assustado pelo tipo do tumor e pelo avanço da doença.
Thiago Lopes
Quando começou o tratamento, ela torcia para ser incluída em uma linha de pesquisa internacional, para receber tratamento direcionado, mas não foi possível. O casal, então, optou por tratar Rayssa com quimioterapia e fez uma vaquinha para pagar os custos de exames.
O dinheiro arrecadado ajudou nesses procedimentos e também na contratação de uma babá para auxiliar Thiago a cuidar dos filhos, durante o tempo de internação da companheira. "Consegui me dedicar 100% à minha esposa nesse período."
A evolução da doença foi muito rápida, Rayssa começou a perder muito peso e teve uma piora no seu estado de saúde. "Tinha a possibilidade de ela fazer imunoterapia, mas, infelizmente, não deu tempo de oferecer qualquer tipo de tratamento."
Apenas três meses desde os primeiros sintomas, ela morreu, no dia 19 de setembro de 2023.
'Expliquei que corpo não aguentou'
Antes de a esposa morrer, os dois conversaram muito sobre como seria a criação das crianças e como ele encararia a paternidade solo. O casal também preparou os filhos para uma despedida da mãe.
As crianças teoricamente já estavam tendo e sentindo um desligamento em doses homeopáticas. Quando ela faleceu, expliquei para eles que o corpo da mamãe não tinha aguentado o dodói. Mas que a gente conseguia falar com ela por meio de orações.
Os filhos entenderam um pouco, mas o mais velho, que tem síndrome de Down, sentiu mais a partida da mãe. "Ele chamava bastante por ela."
No começo, foi difícil para Thiago lidar com a perda da companheira e tentar entender tudo o que estava acontecendo. Eram muitos desafios, desde cuidar das crianças praticamente sozinho até administrar a clínica e outras tarefas.
Para ele, "suprir" a falta da mãe é ainda um grande desafio: os seis sempre estavam juntos, o tempo todo. As atividades diárias também se tornaram cansativas. "É dia após dia. Vou me adaptando e procuro não me cobrar muito."
Ele começou a fazer psicoterapia para ajudar no processo de luto e aprendizados. "Minha prioridade agora é me concentrar e me conectar com a minha essência."
'Sou eu e as crianças'
Desde que perdeu a esposa, Thiago decidiu criar um perfil nas redes sociais (@pai.solo.thiago), onde compartilha a rotina dele com as crianças. Hoje, a página já tem mais de 200 mil seguidores.
A iniciativa, segundo ele, é para incentivar e ajudar outras famílias que vivem situações parecidas. "Quero inspirar outros pais e mães solos. E espero fazer a diferença na vida dessas pessoas."
Ele trabalha o tempo todo de casa e pretende lançar em breve um produto digital com histórias infantis para outras crianças. Quando os filhos estão na escola, o arquiteto se dedica ao trabalho digital e à clínica.
Em alguns dias da semana, ele tem ajuda da sogra e de sua mãe para determinadas tarefas ou para ficar algum tempo com as crianças.
Basicamente, no dia a dia, sou eu e as crianças. Não tenho tempo para tudo. Meu pai está com um problema de saúde e minha mãe se dedica a ele. Não consegue estar o tempo todo comigo.
Thiago Lopes
Sobre o futuro, Thiago espera conseguir se dedicar 100% aos filhos e ter uma fonte de renda maior para melhorar sua rede de apoio. Ele diz ainda que está aprendendo a lidar com a vida dia após dia. E tenta colocar foco no agora. "Tenho quatro crianças para criar."