Dias Toffoli mantém validade de júri e ordena prisão de réus da Boate Kiss
Do UOL, em São Paulo
02/09/2024 18h46
O ministro Dias Toffoli, do STF (Supremo Tribunal Federal), manteve a validade de júri e determinou a prisão imediata de quatro réus envolvidos no incêndio da Boate Kiss, que deixou 242 pessoas mortas e outras 636 feridas em Santa Maria (RS), em 2013.
O que aconteceu
Para Toffoli, a anulação do julgamento "viola a soberania do júri". A decisão foi publicada nesta segunda-feira (2).
O ministro também determinou prisão dos réus. "Nos termos do art. 492, I, 'e", do CPP, determino o imediato recolhimento dos réus à prisão, servindo a presente decisão como mandado", diz trecho da decisão ao qual o UOL teve acesso.
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Os réus envolvidos e as condenações são:
- Elissandro Callegaro Spohr, ex-sócio da boate, 22 anos e seis meses de prisão;
- Mauro Londero Hoffmann, ex-sócio da boate, 19 anos e seis meses de prisão;
- Marcelo de Jesus dos Santos, vocalista da banda Gurizada Fandangueira, que tocava no momento do incêndio, 18 anos de prisão;
- Luciano Bonilha Leão, auxiliar da banda Gurizada Fandangueira, que tocava no momento do incêndio, 18 anos de prisão.
O advogado de Elissandro Callegaro Spohr disse que o cliente já está à disposição do Ministério Público. "[Está] sendo conduzido até a polícia, onde passará pelos exames, pela burocracia atinente ao cumprimento do mandado de prisão para depois ser conduzido ao Núcleo de Gestão do Sistema Penitenciário, onde será realizada a audiência de custódia. Quanto aos próximos passos, a defesa ainda fará um estudo sobre o que foi decidido e tomar as medidas cabíveis, diz o advogado Jader da Silveira Marques.
O escritório que representa Mauro Londero Hoffmann afirmou que recebeu a notícia com surpresa. "Lamentamos que a Suprema Corte dê este exemplo de julgamento antidemocrático, especialmente quando a constitucionalidade do tema está por ser decidida de forma colegiada. De resto, a decisão será cumprida de forma integral e discutida nas esferas competentes", diz nota enviada pelo escritório Cipriani, Seligman de Menezes e Puerari.
A advogada de Marcelo de Jesus dos Santos destacou que a decisão tramitou de forma sigilosa às defesas. Em texto publicado no Instagram, Tatiana Borsa afirmou que havia uma reunião agendada com a assessoria de Toffoli na próxima semana. "Lamentamos que o STF dê esse exemplo de julgamento antidemocrático, especialmente quando a constitucionalidade do tema está por ser decidida de forma colegiada. De resto, a decisão será cumprida de forma integral e discutida nas esferas competentes."
A defesa de Luciano Bonilha declarou que discorda da decisão e que vai tomar "todas as medidas cabíveis". Em nota nas redes sociais, os advogados dizem que os acusados não poderiam ser presos imediatamente porque "já possuem em seu favor uma ordem de habeas corpus, já transitada em julgado, que lhes garante ficarem em liberdade", destaca o comunicado publicado pelos advogados Jean Severo e Márcio Paixão.
PGR defendeu restabelecimento das penas
Decisão de Toffoli atende a pedido feito pela PGR em maio deste ano. Na ocasião, a Procuradoria-Geral da República pediu ao Supremo Tribunal Federal que as condenações dos quatro réus do incêndio na Boate Kiss fossem restabelecidas.
Anulação do julgamento renovou dores das famílias envolvidas nas tragédias, afirmou PGR em documento. O pedido apontou que o julgamento ocorreu com "rigorosa observância de todos os preceitos constitucionais".
O 1º julgamento foi realizado em 2021, mas anulado pelo Tribunal de Justiça do RS. Na ocasião, o júri condenou os envolvidos.
As penas estavam suspensas desde agosto de 2022. A Justiça entendeu que irregularidades na condução do processo foram registradas.
O Tribunal de Justiça do RS justificou a anulação do júri por quatro motivos principais:
- Irregularidades na escolha dos jurados, inclusive com a realização de um sorteio fora do prazo previsto pelo Código Processo Penal (CPP);
- Realização, durante a sessão de julgamento, de uma reunião reservada entre o juiz presidente do júri e os jurados, sem a participação das defesas ou do Ministério Público;
- Ilegalidade na elaboração dos quesitos;
- Suposta inovação da acusação na fase de réplica.
O STJ manteve a anulação em novembro de 2023. A Corte rejeitou um recurso apresentado pelo Ministério Público do RS por 4 votos a 1.
O incêndio na casa noturna deixou 242 pessoas mortas e mais de 600 feridas em janeiro de 2013. As chamas tiveram início após o uso de fogos de artifício no interior do estabelecimento e atingiram espumas usadas no teto para isolamento acústico e se espalharam.
O julgamento, que levou nove anos para acontecer, ocorreu em dezembro de 2021 e durou dez dias. Foi o Tribunal do Júri mais longo da história do Rio Grande do Sul. Na ocasião, os quatro foram condenados por dolo eventual —quando, mesmo sem desejar o resultado, se assume o risco de matar.