Tem como ser ateu e acreditar em Jesus? Entenda o que é o ateísmo-cristão
Abinoan Santiago
Colaboração para o UOL
02/09/2024 05h30
"Por achar impossível ter um criador bondoso de um mundo tão cruel, me considero ateu. Por concluir que Jesus foi 'o cara', me considero cristão. Sou um ateu-cristão". A declaração é do escritor Fábio Chap, de 29 anos, nas redes sociais, e gerou debate. Será que é mesmo possível acreditar em Jesus sendo ateu? Embora pareça contraditório, o ateísmo-cristão existe e é validado por religiosos e pesquisadores mundo afora.
A doutrina ateísta se desenvolveu e outras correntes se originaram dentro do movimento. Uma delas é o ateísmo-cristão. Pesquisadores ouvidos pelo UOL não cravam sobre a datação de seu surgimento, mas afirmam que a prática é relativamente recente.
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O ateísmo surgiu no século 18 e é a negação de um deus, seja ele uma divindade cristã ou não. A doutrina se baseia não apenas na refutação de uma existência divina, mas também na consequente adoração dela. É um estilo de vida que historicamente carrega a conotação negativa em países majoritariamente cristãos, como é o Brasil, que tem 90% de sua população crente em Deus, segundo dados de 2023 do Ipsos.
Mas o que é o ateísmo-cristão?
O termo parece contraditório, mas a sua essência se demonstra coerente até mesmo para religiosos. No ateísmo-cristão, os adeptos partem do pressuposto de que não há um deus. No entanto, eles acreditam que Jesus Cristo existiu. Para eles, Jesus não é adorado como devoção e foi alguém comum, um homem normal de seus tempos - com uma mensagem com a qual simpatizam.
"O ateísmo-cristão é uma maneira de se definir aqueles que não creem na existência de Deus, porém acreditam em Jesus Cristo enquanto personagem histórico e simpatizam com seu modo de vida e alguns aspectos de sua mensagem", resumiu Huanderson Leite, mestre em teologia cristã pela PUC-SP e líder do GT Católico-Pentecostal da Arquidiocese do Rio de Janeiro.
O que sustenta o ateísmo-cristão é a mensagem e ensinamentos que rodeiam a mais importante figura histórica cristã. Por não acreditarem no Deus cristão, não significa que os ateus-cristãos fogem da cruz. O inferno e o paraíso, para eles, também não existem.
"E nesse sistema de crença [de ateísmo-cristão], Deus é rejeitado como divindade, mas aquilo que Jesus ensinou e pregou é levado em consideração. Isso até porque Jesus é visto, muitas vezes, como um profeta, um avatar, alguém que viveu de fato, que deixou ensinamentos bons, mas [no ateísmo-cristão] se nega a divindade a Jesus. Inclusive, existem religiões que negam a divindade a Jesus, justamente a sua afiliação de Deus, mas acreditam nas suas propostas", pontua o padre José Carlos Pereira, mestre em Ciências da Religião e autor do livro "Operários da Fé" (Matrix Editora).
Vale lembrar que, além do ateísmo, existem os agnósticos. Neste caso, são pessoas que não acreditam na existência de Deus, mas não negam a possibilidade de haver divindades - desde que um dia isso se comprove.
Ateu-cristão comemora o Natal?
Os praticantes também podem celebrar datas religiosas se as olharem pelo ângulo da mensagem por trás, como a Páscoa pela renovação da esperança e o Natal pela compaixão com o próximo. Ou melhor, o"Newtal", como alguns ateus brincam, em referência a Isaac Newton — ironicamente o cientista acreditava em Deus e era estudioso da Bíblia, pois buscava confirmar passagens do livro pela matemática.
"A figura histórica, segundo a tradição, deixou um legado espiritual inegável, que é recuperado por acadêmicos contemporâneos, justamente, desassociando-o do Jesus do cristianismo. Sendo assim, é possível acreditar em Jesus de forma não institucional", afirmou Andrey Mendonça, mestre em teologia e em ciências da religião e professor da ESPM.