Fofoca, pix errado e mais atos 'inocentes' que podem tirar seu réu primário
Abinoan Santiago
Colaboração para o UOL
03/09/2024 05h30
O termo jurídico pode parecer inofensivo, mas as consequências são danosas na "ficha" de quem pratica. Os crimes considerados leves ou de menor potencial ofensivo no Brasil dificilmente fazem alguém cumprir a pena na cadeia, contudo podem deixar uma marca: a perda do réu primário.
Na prática, o réu primário é a pessoa é julgada pela primeira vez por algum crime imputado a ela. Apenas uma acusação não é o bastante para a perda dessa condição.
É necessário que o réu seja investigado, denunciado e condenado até trânsito em julgado, ou seja, quando não há mais possibilidade de recursos contra a sentença.
Quando a pessoa é julgada na condição de ré primária, as chances são maiores de obter benefícios se for declarada culpada por algum delito, como relaxamento no cumprimento da pena ou até mesmo a sua suspensão.
Agora, se for reincidente, o jogo muda e a maneira como a Justiça para julgá-lo é diferente, explica o advogado criminalista Rafael Paiva.
Quando alguém perde o seu réu primário, ou seja, tem antecedentes criminais, está sujeito a não poder usufruir de uma série de benefícios que a lei estipula, além de ter uma pena mais alta. Na prática, a 'perda do réu primário' é uma circunstância bastante negativa.
Rafael Paiva, mestre em direito e professor de Direito Penal, Processo Penal e Lei Maria da Penha.
No bojo de crimes que causam a perda de réu primário estão os crimes leves. De acordo o advogado criminalista Caio Ferraris, se enquadram nessa classificação de delitos "aqueles em que a pena máxima não ultrapassa 2 anos".
"Todos os crimes, independentemente da pena cominada, são passíveis de influenciar na primariedade do réu. Crimes de menor potencial ofensivo, como por exemplo lesão corporal leve, dano, ato obsceno, podem gerar a perda da primariedade", alerta Ferraris, pós-graduado em Direitos Fundamentais pela Faculdade de Coimbra e sócio do FVF Advogados.
Não parece, mas esses crimes fazem perder o réu primário
Uma cartilha publicada pela PM-PI (Polícia Militar do Piauí) elenca os delitos de menor potencial ofensivo como orientação à corporação. Veja os principais abaixo
Pix errado: recebeu um dinheiro errado em sua conta bancária e não devolveu? Isso pode ser enquadrado como crime de "apropriação de coisa havida por erro". A pena é de detenção de um mês a um ano, ou multa, conforme o artigo 169 do Código Penal.
Achado é roubado, sim: a frase "achado não é roubado" está errada para a legislação brasileira. A apropriação de coisa achada é considerada crime com pena de até um ano, estipula o artigo 169, parágrafo único, do Código Penal.
Andar nu: embora não esteja explicitamente descrito no Código Penal, andar sem roupas em público pode ser considerado como ato obsceno, que considera crime "ato que ofende o pudor em público", de acordo com o artigo 233 do Código Penal. A pena é de até um ano.
Charlatanismo: prática comum na pandemia da covid-19, o charlatanismo é quando se propaga suposta cura para uma doença sem respaldo científico e sob má-fé. A pena é de até um ano, segundo o artigo 283 do Código Penal.
Curandeirismo: semelhante ao charlatanismo, é a prática na qual a pessoa promete eventuais curas a partir de forças misteriosas. A pena é de 2 anos, estipula o artigo 284 do Código Penal.
Abrir ou não entregar cartas: determinado no artigo 152 do Código Penal, o crime de correspondência comercial consiste, na condição de sócio ou empregado, "desviar, sonegar, subtrair ou suprimir correspondência ou relevar a estranho o seu conteúdo". A pena é de 2 anos.
Contar segredo: também é proibido por lei, no artigo 153 do Código Penal, a divulgação, "sem justa causa, conteúdo de documento particular ou de correspondência, de que é destinatário ou detentor, a fim de produzir dano a alguém". A pena é de 6 meses ou multa.
Jogos de azar: divulgar cassinos onlines ou até mesmo o jogo do tigrinho podem estar sujeitos ao artigo 50 da Lei de Contravenção Penal, com pena de até 1 ano.
Hackear programa de computador: se você usa um software sem a licença, saiba que pode estar enquadrado no artigo 12 da Lei 9.609/1998, com pena de 2 anos e multa.
Pichação: rabiscar aquele muro sem pretensão alguma parece inofensivo, mas é crime. É o que determina o artigo 65 da Lei Ambiental. A pena é de 1 ano.