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PMs chamam vendedor africano de 'negrinho': 'Tá na terra dos outros'; veja

Tiago Minervino

Colaboração para o UOL, em São Paulo

01/11/2024 16h26Atualizada em 01/11/2024 16h32

Agentes da Polícia Militar de São Paulo foram filmados enquanto proferiam ofensas racistas, xenofóbicas e homofóbicas contra um vendedor ambulante da Costa do Marfim no bairro do Brás, região central da capital paulista.

A PM-SP disse que analisa as imagens para determinar a possibilidade de aplicação de "medidas cabíveis" aos policiais envolvidos.

O que aconteceu

PMs abordaram o vendedor durante a Operação Delegada. A ação é uma parceria da Prefeitura com o governo do Estado que atua na fiscalização do comércio de ambulantes em situação irregular.

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O caso ocorreu em 11 de outubro, na Rua Rangel Pestana, mas ganhou repercussão agora. A ação da PMSP foi registrada por pessoas que estavam próximas do local e as imagens foram cedidas ao UOL.

Nas imagens, é possível ver que ao menos sete PMs estavam no local no momento da abordagem. Desses, dois aparecem ofendendo o vendedor com termos preconceituosos. Um deles chega a empunhar a arma, enquanto os demais agentes não fazem nada —apenas observam. É possível ouvir na gravação a voz da vítima, que terá a identidade preservada por medo de represálias.

O vendedor ambulante é natural da Costa do Marfim, mas mora no Brasil e é casado com uma brasileira. No momento da abordagem, ele nem sequer havia montado a barraca com os produtos, disse ao UOL a advogada Ananda Endo, do Centro Gaspar de Direitos Humanos, que denunciou a conduta agressiva dos militares.

Em determinado momento, o vendedor se defende. "Eu não tenho arma nem nada. Você não vai atirar em mim. Eu não tô indo pra cima de você. Se você falar mal pra mim eu também vou falar pra você", diz a vítima ao policial.

PM faz uso de xenofobia para atacar o vendedor. "Você não está no seu país. Leva essa porr* daqui". Na sequência, um colega do militar fala: "Tá na terra dos outros e ainda está reclamando".

Militar se refere ao costa-marfinês como "negrinho pau no cu" e "viado". "Você não tá no seu país, não, seu porr*. Vem aqui negrinho, pa* no c*. Ajuda seu amiguinho aí, seu pa* no c*, seu viado. Tô com a arma em punho aqui".

Órgão denunciou conduta dos PMs

O Centro Gaspar de Direitos Humanos, organização não governamental que atua em prol dos direitos humanos, denunciou o caso às autoridades. A entidade acionou a Ouvidoria das Polícias do Estado de São Paulo. Caso foi encaminhado à Corregedoria da PM para averiguar os fatos.

Episódios como o ocorrido com o costa-marfinês são recorrentes, explicou ao UOL a advogada Ananda Endo. Ela destacou que o Centro Gaspar "recebe semanalmente denúncias de violações contra os vendedores ambulantes, principalmente na região do Brás, perpetradas por agentes militares na Operação Delegada".

Não e um caso isolado. A gente ao longo de todo o ano acompanha diversas situações semelhantes, principalmente contra ambulantes imigrantes vindos de países africanos. Isso escancara não só a xenofobia, mas também o racismo, e faz com que o crime cometido pelos policiais que aparecem no vídeo seja de racismo.
Ananda Endo, advogado do Centro Gaspar de Direitos Humanos

Ananda explicou que ações judiciais para reivindicar o direito ao trabalho desses vendedores "envolvem muitas vezes a denúncia de ações arbitrárias de tentativa de remoção dos ambulantes sem respeito aos procedimentos legais". "Atualmente temos um mandado de segurança que está segurando, por liminar em segunda instância, a remoção de cerca de 80 ambulantes que atuam há décadas na região do Brás", esclareceu a advogada.

Operação Delegada

A Operação Delegada é um convênio firmado entre a Prefeitura de São Paulo e o governo do Estado desde 2009 para fiscalizar os vendedores ambulantes. Na prática, é um trabalho extra para militares, que participam voluntariamente da operação, em dias de folga, e que podem usar a farda da PM para atuar no combate ao comércio ambulante irregular.

Prefeitura diz que os agentes podem receber de R$ 42,43 a R$ 76,38 por hora de trabalho. Ainda conforme a gestão municipal, o número de vagas diárias para PMs exercerem essa função aumentou durante a gestão do prefeito Ricardo Nunes (MDB), com foco para o centro da capital.

Centro Gaspar afirma que a gestão municipal é conivente com a ação da polícia. "Os agentes fiscais das Subprefeituras também atuam na repressão ao comércio ambulante, e já recebemos diversas denúncias de condutas abusivas. Das situações que foram levadas ao conhecimento das Subprefeituras, não chegou ao nosso conhecimento que providências efetivas tenham sido adotadas, nem em termos de responsabilização dos agentes, nem de reparação e garantia de direito às vítimas".

Ao UOL, a Prefeitura informou que não tem conhecimento sobre denúncias de má conduta dos fiscais das Subprefeituras. Em relação ao comportamentos dos militares que prestam serviço ao executivo municipal, a Prefeitura alega que o treinamento deles é de responsabilidade do Estado.

O que diz a PMSP

Por meio de nota, a Polícia Militar de São Paulo disse analisar as imagens para determinar a possibilidade de aplicação de "medidas cabíveis" aos agentes envolvidos. O órgão afirmou que "não compactua com atos discriminatórios e reforça em seus cursos de formação e atualização disciplinas com ênfase em direitos humanos, igualdade social, diversidade de gênero, ações antirracistas, entre outras".

Como os agentes que aparecem nas imagens não tiveram os nomes divulgados, não foi possível localizar suas defesas para pedir posicionamento. O espaço segue aberto para manifestação.

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