SP investe 1,6% do orçamento de penitenciárias para ressocializar presos
Menos de 2% do orçamento da SAP (Secretaria de Administração Penitenciária) é destinado a ações de ressocialização de presos e egressos. Na conta, isso corresponde a R$ 36 por preso, por mês.
O que aconteceu
Os outros 98% do custo mensal de cada preso no estado — R$ 2.191 — servem para manter funcionando o próprio sistema prisional. Os dados são de um relatório de auditoria do TCE-SP (Tribunal de Contas do Estado de São Paulo), divulgado em agosto.
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Segundo o tribunal, a SAP está deixando de cumprir metas de melhoria para construir novas unidades para a abertura de vagas. Desde 2013, a auditoria do tribunal pede para a secretaria adotar "medidas para cumprir em tempo as metas". Os prazos são sempre prorrogados, segundo o documento.
Isso quer dizer que o diagnóstico já passou por cinco governadores: Geraldo Alckmin (então no PSDB), Márcio França (PSB), João Doria (PSDB), Rodrigo Garcia (PSDB) e Tarcísio de Freitas (Republicanos).
"Escolhas trágicas." "Muitas vezes, diante de um orçamento limitado e despesas ilimitadas, o gestor acaba realizando 'escolhas trágicas' na alocação dos recursos", diz ao UOL o presidente do conselho do TCE, Renato Martins Costa.
Raio-X
Quase 75% dos presídios paulistas estão lotados. Dobrou o número de presídios paulistas com mais de 150% de ocupação: de 24, em 2022, subiu para 45, em 2023.
74% não têm atendimento mínimo de saúde e 72% não têm auto de vistoria dos bombeiros. Isso compromete "a vida de milhares de servidores, prestadores de serviços e custodiados", diz o relatório. Procurada, a SAP diz que oferece atendimento médico online e que 45% das unidades têm "ou estão em processo de renovação" do auto dos bombeiros.
68% não têm bloqueadores de celular. O número de celulares apreendidos caiu de 14,4 mil, em 2017, para 4,4 mil, em 2023. Em resposta a perguntas do TCE, a SAP afirmou que buscou instalar bloqueadores apenas nas unidades "que abrigam presos integrantes de facções criminosas e em instituições prisionais cuja população é composta por presos de elevada periculosidade".
Até 2022, a SAP não tinha dados de reincidência. Depois, informou ao TCE que 11,6% dos presos em 2023 já tinham passagens criminais. Reeducar presos e ressocializar egressos é uma das chaves para reduzir a reincidência, diz o relatório, citando estudos.
SP destina 1,65% dos recursos na reintegração de presos e egressos (R$ 36 por mês). Os outros 98,34% (R$ 2.191 por mês, por preso) vão para manter o sistema prisional.
Sabe-se que o investimento na população carcerária nem sempre é bem visto pela opinião pública; no entanto é preciso que seja resguardada a dignidade dos aprisionados, visando à ressocialização.Renato Martins Costa, conselheiro-presidente do TCE
Histórico
Desde 2008, a SAP diz que o ideal é ter no máximo 823 presos por unidade. Isso significa 12 pessoas por cela e com uma cama para cada. A meta nunca foi atingida.
Desde a pandemia, que pedia distanciamento social, a defensoria destaca o número de colchões nas suas inspeções. Segundo dados de 2022, as unidades visitadas tinham um colchão para cada 3 presos.
Desde 2020, o TCE destaca que a SAP não faz censo penitenciário. O órgão disse que o levantamento seria prioridade em 2023. A meta não foi atingida.
Sem um levantamento adequado, os problemas tendem a não ser identificados e, consequentemente, acabam se perpetuando. Destaco que isso é importante não somente para a população carcerária, mas igualmente para a sociedade, posto que inegavelmente impacta a segurança pública.Renato Martins Costa, conselheiro-presidente do TCE
Maioria da população carcerária é jovem (60%) e se declara preta (cerca de 50%). Os dados foram tabelados pelo próprio tribunal. 96% são homens — 44% deles são analfabetos ou não concluíram o ensino fundamental; 47% foram presos por tráfico ou furto.
Segundo o TCE, seria preciso construir mais 51 penitenciárias para dar conta dos detentos hoje. "No entanto, deve-se considerar que a construção de novas UPs [unidades prisionais] tem custos econômicos e sociais elevados e expandir o sistema prisional indefinidamente não é possível ou desejável", diz.
O que diz o governo
Procurada, a SAP afirma que dois novos presídios estão previstos para 2025, com a abertura de 1.646 vagas. Também diz que o governo ampliou os recursos destinados a egressos, de R$ 13,8 milhões em 2023 para R$ 15,04 milhões na Lei Orçamentária de 2024.
Trata-se de um programa para prestar assistência direta a egressos: Caefs (Centrais de Atenção ao Egresso e Família), que promovem ações voltadas à educação e ao trabalho de egressos, e oferecem apoio psicossocial e jurídico. Em 2023, 219 egressos conseguiram emprego com o programa. Até agosto deste ano, foram 116.
O governo propõe abrir apenas 823 novas vagas até 2027. Isso quer dizer reduzir a superlotação atual de 128% para 125% (sem contar futuros apenados). Os dados estão no plano plurianual que o governador Tarcísio de Freitas mandou à Assembleia Legislativa. Segundo o documento, o objetivo do programa é garantir a dignidade "e promover políticas públicas efetivas que viabilizem a reintegração social dos presos, apenados e egressos, contribuindo com a segurança da sociedade".
A única solução para o estado deplorável do sistema prisional é a adoção de políticas racionais de desencarceramento: evitando-se a prisão em casos de crimes menos graves, apostando-se em penas alternativas ou adiantando a colocação em regime aberto no caso de superlotação, conforme foi decidido pelo STF em diversos casos.Bruno Shimizu, defensor público de São Paulo
*Colaborou Flávio VM Costa