Lei Maria da Penha é pouco conhecida por 70% de negras, diz pesquisa
Levantamento aponta que 70% das mulheres negras no Brasil dizem conhecer pouco sobre a Lei Maria da Penha, criada em 2006 para combater a violência de gênero.
O que aconteceu
Só 22% de mulheres negras dizem conhecer muito sobre a Lei Maria da Penha. Por outro lado, 8% das entrevistadas afirmam não saber nada sobre a legislação. Os dados são do levantamento do Instituto de Pesquisa DataSenado e da consultoria Nexus, em parceria com o Observatório da Mulher contra a Violência.
"Nosso Judiciário é estruturalmente machista e racista", afirma a advogada Maíra Recchia. Especialista em gênero, ela diz que "nossa cultura ainda relativiza muito os casos de violência contra a mulher". Combinados, esses e outros fatores geram os números apresentados pela pesquisa, que foi divulgada neste mês.
Medidas protetivas também são pouco conhecidas entre mulheres negras. De acordo com o estudo, 70% das entrevistadas disseram conhecer pouco sobre o mecanismo previsto na Lei Maria da Penha, que permite à Justiça determinar afastamento entre vítima e agressor e suspensão de porte de armas, entre outras ações.
Legislação existe para proteger integridade da vítima. Além da violência física, a Lei Maria da Penha se aplica em casos de violência emocional (quando a vítima é alvo de gritos e outras agressões), financeira (quando a mulher não pode decidir sobre seu dinheiro), moral (quando o homem fala mal da mulher) e sexual.
Precisamos compreender por que a informação sobre o alcance e a dimensão da Lei Maria da Penha não está chegando às mulheres negras, bem como reconhecer que este é um dos desafios, dentre os muitos, que devemos enfrentar com seriedade e comprometimento se quisermos reduzir os índices das violências de gênero no Brasil.
Dione Almeida, advogada, doutoranda e mestra em direito pela PUC-SP e diretora da OAB-SP
Estudos mostram que regiões com delegacias da mulher têm uma queda de até 17% em feminicídios. Mas, no Brasil, às vezes, a vítima não tem nem sequer dinheiro para ir a delegacia.
Alice Bianchini, conselheira do Conselho Nacional de Direitos da Mulher e vice-presidente da Associação Brasileira de Mulheres de Carreiras Jurídicas
Dispositivos mais antigos têm maior reconhecimento
Mais de 80% das entrevistadas dizem conhecer delegacias da mulher, Defensoria Pública e serviços de assistência social. Para as advogadas ouvidas pelo UOL, existência dos espaços há mais tempo justifica indicadores. Mas elas lembram que, mesmo nesses locais, vítimas enfrentam problemas como revitimização e descredibilização.
Mau atendimento em delegacias e falta de representatividade na Justiça são desafios. As advogadas lembram que problema é tão sério que Conselho Nacional de Justiça criou o Protocolo de Julgamento com Perspectiva de Gênero, um manual para que vítimas sejam melhor recebidas por policiais, juízes e outros atores.
Para 49% das mulheres negras, a Lei Maria da Penha protege "apenas em parte". Outros 30% entendem que texto "protege as mulheres" e 20% acreditam que a regra "não protege as mulheres". Cerca de 14 mil mulheres pretas e pardas de todo o país foram entrevistadas por telefone entre agosto e setembro para o levantamento.
Mulheres negras são mais impactadas pela violência no Brasil. Dados oficiais mostram que, em 2022, pretas e pardas foram 55% das mulheres vítimas de violência —somando mais de 110 mil casos. O indicador chega a 62% entre vítimas de violência sexual e 67% em relação a número de mulheres assassinadas.
Muitos dos mecanismos de proteção a mulheres ficam em áreas mais privilegiadas e, como a maioria das mulheres negras tem uma condição econômica menos favorecida, elas terminam tendo maior dificuldade em acessar os serviços.
Alice Bianchini, advogada