Casa de luxo em SP é tomada por lama pela 3ª vez em 1 mês: 'Risco de matar'
A moradora de um condomínio de alto padrão localizado em Cotia, na Grande São Paulo, teve a casa invadida por uma enxurrada de lama pela terceira vez em menos de um mês. Ela denuncia que uma obra vizinha ao residencial tem causado transtornos a mais de quatro mil moradores que vivem em cinco condomínios na região.
O que aconteceu
A dentista Cristina Palácio, 55, viu a casa ser inundada por lama três vezes em novembro, nos dias 6, 8 e 28. Sempre que chove, a água com barro escorre do terreno da obra vizinha, ultrapassa o muro e entra na casa dela. A construção ao lado do condomínio ocupa uma área de aproximadamente 800 mil metros quadrados, equivalente a metade do parque Ibirapuera (SP), e está localizada na altura do km 26 da Rodovia Raposo Tavares.
Ela diz que mora na casa há 20 anos e isso nunca ocorreu. "Todo mundo que vem para essa região busca um contato com a natureza e um sossego. Nós fomos surpreendidos por uma obra enorme, de uma devastação ambiental assustadora que choca muito todos os moradores da região", afirmou Cristina.
Relacionadas
"Foi tudo muito rápido, quando vi a situação foi desolador, nunca imaginei viver isso. Coloquei no grupo do condomínio, no dia seguinte eles [a empresa responsável pela obra] vieram e se ofereceram para ajudar a limpar. Claro que não aceitei. Eles admitiram que havia falha. Comecei a limpar no dia 7, mas no dia seguinte, 8 de novembro, entrou lama de novo na minha casa. Eu não durmo mais tranquila quando chove muito, meu muro está com risco de cair. Estou vivendo preocupada porque se esse muro cai tem risco de matar alguém", afirmou Cristina Palácio.
Moradores denunciam que construção tem uma série de irregularidades. Ruído acima do permitido, lama nas casas, entupimento de encanamento e destruição da vegetação nativa da antiga floresta que havia no local. A empresa Prologis, à frente da obra, prevê a construção de diversos galpões e centros de distribuição. Entre os meses de maio e agosto, retroescavadeiras suprimiram a vegetação.
Cristina diz que foi a primeira vítima mais grave e que tragédia foi anunciada. "Eu fui a primeira vítima, agora com tantas irregularidades também na execução da obra, se eles não corrigirem isso, outros também terão problema. Foi tanta lama que desceu para a rua e foi parar na nascente assoreando os lagos da onde eu moro. O impacto ambiental já começou", lamentou a moradora do condomínio Parque Silvino Pereira.
Obra foi embargada pela Justiça
Obra foi embargada pela Justiça de São Paulo na quarta-feira (27) após denúncias. Na decisão, o Tribunal de Justiça diz que há risco de queda do muro que separa as residências da obra. Disse também serem necessários estudos que assegurem a viabilidade das obras sem oferecer qualquer risco às casas vizinhas.
Segundo Cristina, a mata nativa (em uma área de proteção ambiental) foi derrubada em tempo recorde. Os moradores também dizem que não foram ouvidos em audiência públicas e que o projeto de lei que alterou o zoneamento urbano na cidade de Cotia foi aprovado em regime de urgência, sem consultas populares.
Moradores contrataram uma empresa de engenharia para fazer uma perícia na obra. Laudo constatou série de irregularidades. Os peritos também concluíram que o risco de desmoronamento é alto. "Aqui era uma zona residencial, uma área de interesse ambiental, com nascentes e riachos e foi devastada. Zero cuidado, derrubaram todas as árvores com retroescavadeira. Isso tudo sem consultar a população. Um impacto gigantesco, de ruído, de vizinhança, de tráfego. Dizem que conseguiram autorizações na Prefeitura de Cotia e na Cetesb [Companhia Ambiental do Estado de São Paulo]", afirmou Cristina.
Cláudio Serpe, 71, mora há 20 anos no condomínio Jardim Mediterrâneo. Ele contou que bichos silvestres estão aparecendo nos condomínios por causa do desmatamento. "Macacos, quatis, lagartos que moravam na mata, um prejuízo ambiental tremendo. No futuro, com essa obra pronta, o local ser operado em uma logística de 24 horas por dia. São carretas chegando a todo momento, um prejuízo para cinco mil famílias que vivem nos condomínios", lamentou.
Grupo pretende ingressar com uma ação civil pública contra a Prologis para que a obra seja cancelada. Moradores questionam construção do empreendimento no meio de tantas residências. "Praticamente, hoje moro em uma casa que tem um miniterremoto todos os dias. As paredes tremem, a casa treme, a cama treme, tudo vibra, a poeira é imensa, parece que você está no deserto", diz o empresário Décio Goldberg.
Falta transparência. O engenheiro Renato Rouxinol, vice-presidente da Amogv (Associação dos Amigos e Moradores da Granja Viana), diz que não foi feito um estudo técnico no local da construção para a alteração da legislação pela Prefeitura de Cotia. Ele diz que falta transparência por parte da administração municipal.
Jack Sulsik, 69, presidente da Sociedade de Amigos do condomínio Recanto Inpla, denunciou o caso no Ministério Público de São Paulo, em Cotia. Mas, segundo ele, ação não andou. "Começamos a ver retroescavadeiras derrubando árvores. E a gente sabe que esse tipo de autorização para derrubar uma árvore, por exemplo, leva meses. Está acontecendo uma catástrofe. Eu tenho o direito de achar estranho", criticou.
Desejo dos moradores é de que área seja transformada em um parque para a população. "Que seja destinado a todos, uma bela área de uso público", disse o morador Leandro Vieira, 44.
O que diz a Prefeitura de Cotia
A Secretaria de Habitação e Urbanismo de Cotia informou que o projeto foi aprovado após análise técnica e que está em conformidade com a legislação municipal vigente. Em nota, a pasta esclareceu que está acompanhando e cobrando da empresa responsável pela obra para que todas as providências sejam tomadas no sentido de reparar os danos causados aos vizinhos e a terceiros.
A prefeitura também ressaltou as alterações no Plano Diretor e na Lei de Uso e Ocupação do Solo obedeceu rigorosamente aos ritos legais. "Com reuniões preparatórias, audiências públicas em toda as regiões do município e ampla divulgação na mídia local. A região da Granja Viana, inclusive, esteve entre as regiões que receberam reunião preparatória e audiência pública.
Segundo a gestão, a prefeitura não está inerte à situação vivida por moradores do entorno. Nesta sexta-feira (29), uma equipe fez uma vistoria no local e uma nova avaliação da situação. "Sobre o embargo da obra, há o temor, por parte desta secretaria, que esta situação possa gerar novas consequências para o entorno em caso de chuva. Portanto, há a expectativa de que a empresa consiga, junto à Justiça, a continuidade dos trabalhos, cumprindo as exigências reparadoras e priorizando todas as ações necessárias para estancar os impactos da obra garantindo que não haverá novas ocorrências mesmo que chova. No local, algumas pessoas estão executando serviços emergenciais necessários para conter passagem de lama para a casa dos vizinhos, caso ocorram novas chuvas a qualquer momento", segundo nota enviada ao UOL.
O engenheiro da Secretaria de Habitação e Urbanismo que esteve no local hoje (29) constatou a necessidade de tais serviços, e lavrou auto de infração nº 23127, contendo as ações emergenciais mencionadas acima. Oportuno frisar que os trabalhos referentes à execução da obra do empreendimento estão paralisados em obediência ao embargo judicial.
Prefeitura de Cotia
O que diz a Prologis
O advogado Nelson Wilians, que representa a Prologis, declarou que a construção do empreendimento está integralmente em conformidade com todas as leis e regulamentações aplicáveis. "Incluindo as normas ambientais, de construção e de uso do solo, com a devida aprovação das autoridades competentes e órgãos reguladores", disse.
Wilians disse que o volume de chuvas foi "excepcional" e causou "impactos imprevistos". "A empresa se compromete a adotar todas as medidas corretivas necessárias para resolver as questões nos imóveis adjacentes. A empresa está especialmente atenta às situações que possam ter sido exacerbadas pelas fortes chuvas na região e tomará as providências necessárias para mitigar tais impactos", afirmou o advogado.
Para a execução dos reparos necessários, a empresa diz que a obtenção da autorização dos proprietários envolvidos é imprescindível. "Reforçamos que todas as ações já foram adotadas para evitar a recorrência de eventos semelhantes e garantir a segurança e integridade da área. Agradecemos a compreensão e estamos totalmente disponíveis para resolver de forma célere e eficaz os problemas causados pelas chuvas".