'Vai casar com homem': pastor é denunciado por 'cura gay' em adolescente

O pastor Luiz de Jesus, da igreja evangélica Catedral da Família, em Palmas, foi denunciado ao MP-TO (Ministério Público do Estado do Tocantins) por promover "cura gay" em um culto, enquanto orava por uma adolescente.

O que aconteceu

Vídeo do momento da oração repercutiu nas redes sociais. Imagens gravadas no final de novembro mostram o pastor orando por uma menina acompanhada do pai e da mãe. O vídeo tem trechos cortados, não sendo possível confirmar a cronologia das falas. O material foi publicado no perfil da igreja no Instagram, mas já foi removido.

Pastor menciona que o demônio teria dito: "muda seu sexo". Em seguida, referindo-se à jovem, ele afirma que o desejo dela seria "cortar e deixar o cabelo igual ao meu", ou seja, mais curto. Ao lado, a mãe faz gesto de afirmação.

Em outro momento, a menina está de joelhos, e o pastor fala sobre o gênero dela. "Jesus gritou na minha alma: 'vai casar com homem, vai ter filhos. A partir de hoje, vai se vestir igual mulher'. Porque Jesus arranca o demônio lá de dentro agora, ô, em nome de Jesus", disse.

Com a repercussão, o Coletivo Somos, eleito vereador em Palmas, denunciou a igreja e o pastor. José Eduardo de Azevedo, um dos integrantes do mandato coletivo, disse ao UOL que a denúncia se baseou na exposição da imagem da adolescente e na associação entre homossexualidade e possessão demoníaca.

A gente não está discutindo sobre fé, religião não se discute e cada um tem sua liberdade de culto. Mas, independentemente do lugar onde acontece uma prática que se ache como criminosa, precisa denunciar.

A divulgação amplifica o alcance de algo que não é verdade, porque não há cura para algo que não é doença. Isso pode levar as pessoas a acreditarem que os filhos delas ou elas próprias possam estar doentes, sendo que isso não é verdade.
José Eduardo de Azevedo, integrante do Coletivo Somos

Na denúncia, o coletivo diz que o episódio configura grave violação de direitos, com base na Constituição Federal, no ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) e no Código Penal. Eles citam que o vídeo "promove a ideia da 'cura gay', prática amplamente condenada por organismos nacionais e internacionais. A homofobia presente no discurso do pastor é crime, equiparada ao racismo, conforme entendimento do STF (ADO 26/2019)".

Em nota, o MP-TO confirmou o recebimento da denúncia, via Ouvidoria, em 29 de novembro. No mesmo dia, a reclamação foi encaminhada como notícia de fato para a 15ª Promotoria de Justiça da Capital, que já instaurou um procedimento de investigação.

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O UOL entrou em contato com Luiz de Jesus, que não concedeu entrevista. Ele pediu, contudo, que a reportagem reproduzisse suas declarações ao G1. Ao site, Luiz negou a prática de "cura gay" e afirmou que o momento foi desvirtuado, pois o vídeo está editado. Afirmou também que respeita a atuação do coletivo e disse acreditar que nada vai afetá-lo ou à igreja.

'A partir de hoje, o desejo é mudado'

Mãe da garota de 13 anos disse que filha tinha "desejo por mulheres". Em um trecho, o pastor Luiz pergunta à mãe se a menina já tinha falado algo. "Essa noite ela falou que teve um pesadelo, e um tempo atrás ela me falou que tinha desejo por mulheres", respondeu ela.

"A partir de hoje, o desejo é mudado", disse o pastor na sequência. "Eu estou vendo você maquiada, estou vendo você com cabelo grande, estou vendo você vestida igual mulher", prosseguiu, olhando para a jovem. "E Deus falou pra mim que, no mundo espiritual, até nome de homem já tem, só que Deus disse: 'eu mudo a estação'."

O pai da menina afirmou que a família estava em processo de aceitação. "Pastor, é tão Deus falando com a gente, que ela já falou pra nós, já nos consultou sobre isso, antes de a gente vir pra igreja [...] A gente já estava num processo de aceitação. A preocupação estava muito grande, os sentimentos dela por colegas, e hoje Deus fala fortemente uma coisa que era só minha, da mãe dela e dela. Deus revelou pro senhor", disse.

No final do vídeo, a menina é conduzida pelo pastor a repetir algumas palavras. "A partir de hoje, a minha vida é mudada. Eu sou mulher e eu aceito o que Deus tem pra mim", disse.

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Curandeirismo também é denunciado

Além da "cura gay", o coletivo denunciou a prática de curandeirismo. Outro vídeo divulgado pela igreja mostra o pastor falando que uma mulher "está vomitando o câncer". Na ocasião, ele orava por uma mulher que aparece de joelhos, vomitando dentro de um balde.

Tais práticas constituem o crime de curandeirismo, tipificado no artigo 284 do Código Penal, e representam um risco à saúde pública ao incentivar pessoas a abandonar tratamentos médicos regulares em favor de práticas religiosas sem comprovação científica.
Trecho da denúncia ao MP-TO

"No caso do curandeirismo, que é falsamente dar cura para algo que deve ser tratado de forma correta, com médico, científico, pode atrapalhar tratamentos que precisam de acompanhamento profissional. Essas práticas são prejudiciais em várias frentes", disse Azevedo.

O coletivo pede investigações criminal e cível sobre a conduta do pastor e a prática de curandeirismo. Como medidas imediatas, também solicita a remoção dos vídeos e outros conteúdos "que promovam a homofobia, a 'cura gay' ou práticas de curandeirismo, além da garantia de que conteúdos semelhantes não sejam veiculados pela igreja ou seus representantes".

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