Por onde passou a 'cracolândia'? Linha do tempo mostra mudanças desde 1990

Surgida nos anos 90, a Cracolândia, em São Paulo, atravessou décadas mudando de endereço em uma área com pouco mais de 1 Km² no centro da cidade, até que retornou ao ponto de onde havia sido removida pelo então prefeito Gilberto Kassab, em 2006.
O que aconteceu
Sob a gestão de Gilberto Kassab, em 2006, uma grande operação resultou na desapropriação de áreas entre as ruas Mauá, Gusmões, Protestantes e General Couto de Magalhães, deslocando o fluxo para outros pontos da cidade. Essas ações, conduzidas durante o governo de Cláudio Lembo no estado, iniciaram uma série de mudanças que não resolveram o problema, mas o redistribuíram pela região central.
Durante a gestão de João Doria, em 2017, o fluxo foi novamente dispersado, com operações policiais que culminaram no deslocamento para a praça Princesa Isabel. Apesar da forte presença policial e de demolições, os usuários rapidamente se reorganizaram em ruas próximas, como Dino Bueno e Helvétia. Em 2022, a praça Princesa Isabel, que se tornara o principal ponto de concentração, foi alvo de novas operações que deslocaram os usuários novamente para a rua Helvétia, desta vez, nas proximidades do Minhocão.

No primeiro semestre de 2023, o fluxo esteve concentrado entre as ruas Conselheiro Nébias e Guaianases antes de retornar à região dos Protestantes, epicentro histórico da Cracolândia. Essas mudanças culminaram em 2024 com novas intervenções, incluindo grades e projetos governamentais que resultaram em mais deslocamentos e impactos sociais. Já em 2025, sob a gestão de Ricardo Nunes, foi construído um muro de concreto na rua General Couto Magalhães, substituindo tapumes de metal. Segundo especialistas, essas ações apenas fragmentaram o problema e dispersaram os usuários para outras partes da cidade, sem oferecer soluções efetivas e integradas.
Ações repressivas e intervenções não produzem eficácia. Artigo científico publicado no Boletim do Instituto de Saúde do Estado de São Paulo aponta que os deslocamentos constantes do fluxo da Cracolândia refletem a ausência de políticas públicas integradas e eficazes, priorizando ações repressivas e intervenções urbanas.

Os pesquisadores apontam que as medidas, ao invés de solucionarem a questão, resultam em um êxodo cíclico de usuários de drogas, deslocados de um ponto para outro sem a devida assistência. O trabalho enfatiza que a gentrificação - processo de transformação de áreas urbanas que leva ao encarecimento do custo de vida e aprofunda a segregação socioespacial - e a falta de coordenação entre saúde, assistência social e habitação agravam a vulnerabilidade dessa população, transformando o problema em uma questão humanitária e de direitos humanos.

Confira abaixo a linha do tempo da Cracolândia, desde os anos 90:
- Anos 1990: a Cracolândia emerge nos arredores da Estação da Luz, especialmente na região da praça Júlio Prestes, tornando-se um ponto de encontro para usuários de crack e traficantes.
- 2005-2007: a Prefeitura de São Paulo lança o programa "Nova Luz", visando revitalizar a área central. A Cracolândia estava localizada na região da rua dos Protestantes, na Luz. Em 2006, a prefeitura iniciou a desapropriação de quarteirões na tentativa de acabar com o fluxo. Foram fechados bares e hotéis associados ao tráfico e à prostituição, e houve aumento da presença policial. No entanto, críticos apontaram que essas medidas resultaram na dispersão dos usuários para outras áreas, sem oferecer soluções de assistência adequadas.
- 2008: o fluxo migrou para o "buraco" na esquina das ruas Dino Bueno e Helvétia, após operações policiais e intervenções urbanas.
- 2012: operações policiais intensificaram-se na região, com demolições de imóveis e ações para dispersar os usuários. Apesar disso, o fluxo se reorganizou em locais próximos, evidenciando a resiliência do problema.
- 2014: a gestão municipal implementa o programa "De Braços Abertos", oferecendo moradia, alimentação e trabalho remunerado para dependentes químicos, buscando uma abordagem mais humanizada. O programa obteve resultados positivos, mas enfrentou críticas e foi descontinuado em gestões posteriores.
- 2017: sob a gestão de João Doria, o fluxo foi deslocado para outras áreas após a dispersão massiva promovida por operações policiais. Muitos usuários retornaram à região da Helvétia.
- 2022: o fluxo foi pressionado a se concentrar novamente na praça Princesa Isabel, mas se espalhou pelas ruas Conselheiro Nébias e Guaianases.
- 2023: o fluxo retornou à rua dos Protestantes, mesmo local onde estava 17 anos antes. Essa área voltou a ser o epicentro da Cracolândia, com comércios fechados e moradores relatando abandono.
- 2024: o fluxo foi novamente deslocado das ruas Gusmões e avenida Rio Branco para a rua dos Protestantes. Nesse ano, a gestão estadual anunciou um concurso para instalar a sede do governo na região da Luz, o que inclui centenas de desapropriações. Essa medida expulsou mais de 200 famílias e envolveu custos estimados em R$ 3,9 bilhões, com R$ 415 milhões em desapropriações e o restante destinado à construção de novos empreendimentos.
- 2025: a prefeitura substituiu os tapumes de metal por um muro de concreto na rua General Couto Magalhães, na Santa Ifigênia, para delimitar uma área para usuários. Segundo a administração municipal, a concentração de pessoas na rua dos Protestantes caiu 73,14% no último ano, mas especialistas afirmam que a política resultou na dispersão dos usuários para outras vias, como a avenida Duque de Caxias e ruas Helvétia e Gusmões.

*Com matérias publicadas em 13/05/2022, 06/09/2023 e 15/01/2025.
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