Ela foi queimada no mar: 'Parecia que tinham passado ferro quente na perna'

Brenda Gonçalves, 29, ainda está tentando se recuperar das cicatrizes de um incidente envolvendo uma caravela-portuguesa. O caso ocorreu em novembro do ano passado, durante um passeio na praia de Shangri-lá (PR). A situação ficou mais grave porque ela tentou aliviar as queimaduras com água doce — uma prática que não é recomendada pelos especialistas. Essa era a primeira vez que Brenda retornava à praia em 20 anos.

Após dois meses do ocorrido, a profissional de marketing, que mora em Londrina (PR), decidiu compartilhar sua história como uma forma de alertar e orientar a população neste verão, já que as caravelas-portuguesas são animais comuns no litoral brasileiro. Ela ainda está com cicatrizes e planeja buscar tratamento dermatológico para removê-las. Veja o relato.

  • ENVIE SUA HISTÓRIA: acha que a sua história de vida merece uma reportagem? Envie um resumo para o email enviesuahistoria@uol.com.br. Se possível, já envie fotos e os detalhes que nos ajudarão a avaliá-la. A redação do UOL pode entrar em contato e combinar uma entrevista.

"Comecei a sentir um choque"

"Fazia 20 anos que eu não ia à praia porque sempre que tentava, não dava certo. Mas conseguimos nos organizar para ir no feriado do 15 de novembro de 2024. Chegamos um dia antes — eu, minha mãe, meu irmão e minha cunhada. A praia estava muito boa. Um pouco nublado, mas quente. Tinham algumas águas-vivas que estavam mortas na areia, mas não parecia nada muito sério. Ficamos próximo ao salva-vidas, em uma área protegida. Foi tudo tranquilo no primeiro dia.

Lavar as queimaduras com água doce ativa o veneno liberado pelos tentáculos da caravela-portuguesa.
Lavar as queimaduras com água doce ativa o veneno liberado pelos tentáculos da caravela-portuguesa. Imagem: Shutterstock

Quando voltamos no dia seguinte, por volta do meio-dia, decidi entrar na água. Fiquei no raso, com a minha cunhada. Lá também tinham muitas crianças em volta, brincando. Em dado momento, a minha cunhada olhou atrás de mim e disse: 'Olha que bonito. O que é aquilo?'. Na hora que fui olhar, já comecei a sentir minha pele queimar. Virei e vi que ali estava uma caravela-portuguesa. Já tinha ouvido falar delas, sabia que doía se chegasse perto, então decidi sair correndo. Só que os tentáculos dela já tinham me alcançado [os tentáculos medem, em média, 30 metros].

Comecei a sentir um choque. Essa era a sensação da dor inicial. Tentei sair da água, mas foi quando enroscou ainda mais. Com dor, acabei tropeçando no mar, caí na água e vieram as ondas. Acabei engolindo bastante água e, quando consegui levantar, comecei a gritar de desespero porque a dor já era bem considerável. Na hora que olhei pra minha mão, senti um monte de veinha roxa. Os tentáculos estavam todos grudados.

Minha mãe e meu irmão vieram me ajudar e viram eles enroscados no meu corpo. Ao tentar tirar, os dedos deles começaram a queimar também. Sentia tanta dor que não conseguia alertá-los sobre o que era e o que estava acontecendo. Eles conseguiram me levar para onde tínhamos montado as cadeiras, nessa hora as minhas pernas já estavam muito vermelhas.

Continua após a publicidade

A dor era insuportável. Era como se tivessem passado um ferro quente nas duas pernas. Ao mesmo tempo que doía, também queimava, ardia e latejava. A única coisa que parecia que poderia me ajudar a amenizar a dor era gritar.

Algumas pessoas vieram me ajudar. Tínhamos levado um galão pequeno de água potável para tomar ali durante o dia. Estava bem gelado e, como eu dizia que estava queimando, um rapaz, na tentativa de ajudar, despejou a água doce em cima das minhas pernas. Amenizou em um primeiro momento, mas depois a dor voltou muito pior.

Minha família ligou para o Siate (Serviço Integrado de Atendimento ao Trauma em Emergência) e fomos informados que teríamos que jogar vinagre nas queimaduras. O salva-vidas não tinha e meu irmão foi aos restaurantes próximos buscar. Ele conseguiu, jogou nas minhas pernas, mas não fez efeito. Já estava tudo ardendo demais.

O Siate chegou e a primeira coisa que me perguntaram foi sobre minha respiração, se estava respirando bem. Depois fiquei sabendo que poderia ter tido uma reação alérgica e trancar as vias respiratórias. Mas, felizmente, esse não era meu caso. Consegui falar que só sentia dor. Jogaram vinagre gelado, mas não conseguia parar de gritar. Ali, já desejava desmaiar porque não queria sentir mais aquela dor.

Eu e minha cunhada fomos levadas para o atendimento médico. Ela também se queimou, no pé. Levei duas injeções: uma de analgésico e outra de antialérgico. Sentia tanta dor que nem vi quando as injeções foram aplicadas. Demorou um tempo para os remédios começarem a fazer efeito, ainda tomei mais outras duas injeções. Foi só depois de uns 15 minutos do atendimento que começou a amenizar.

Fiquei ali na maca enquanto eles me observavam e depois fui liberada para ir para casa. A minha ficha começou a cair depois que a dor passou. Fiquei bem mal. Estava nervosa, assustada, com medo. Onde eu estava era uma área com muitas crianças. Fiquei preocupada. Não desejo a dor que senti para ninguém.

Continua após a publicidade
Brenda ficou com cicatrizes da queimadura provocada por caravela-portuguesa
Brenda ficou com cicatrizes da queimadura provocada por caravela-portuguesa Imagem: Arquivo pessoal

Os dias se passaram e meu corpo estava ardendo. Não conseguia colocar nenhuma roupa e por isso tive que trabalhar de casa. Uma semana depois comecei a ter muita coceira e percebi que começaram a subir várias bolinhas na minha pele, alcançando a minha cintura. Corri para a UPA e tomei uma injeção antialérgica, além de soro e corticoide. Estava com uma reação alérgica. Fiquei mais cinco dias em tratamento. Fui informada que a toxina da caravela-portuguesa poderia ficar de duas até três semanas no organismo e por isso estava tendo aquela reação, porque era meu corpo combatendo isso.

Seguindo o tratamento, melhorei. Não senti mais dor, mas ficaram as manchas. Não posso tomar sol. Quase três meses depois, ainda é possível ver as marcas dos tentáculos na minha pele. Sou precavida, fiquei no raso porque sabia que o mar era perigoso, mas a gente não conhece tudo. Por isso resolvi fazer esse alerta. Na hora do desespero a gente pode acabar tomando decisões erradas, como foi com a água doce, que me prejudicou mais ainda. Se tivéssemos a informação, poderíamos ter saído por outra direção, feito de outra maneira.

Não tenho raiva da caravela. Foi um acidente e ela estava no habitat dela. Mas confesso que até agora estou com receio de voltar ao mar, mesmo no raso."

O que fazer?

Caravelas-portuguesas são comuns no litoral brasileiro e queimam pelos tentáculos. Ao encostar no corpo, os tentáculos soltam uma toxina. "Essa queimadura costuma ser bem dolorosa e pode ser superficial ou profunda, de acordo com o tempo que a pessoa fica em contato com os tentáculos do animal", explica o médico Leonardo Abrucio Neto, dermatologista da BP - A Beneficência Portuguesa de São Paulo.

Continua após a publicidade

Banhistas devem evitar ficar próximos às caravelas-portuguesas se elas aparecerem na praia. O médico recomenda procurar informações sobre histórico de outros acidentes na região para ficar mais alerta. Além disso, é necessário evitar o contato de qualquer maneira — mesmo que o animal esteja morto — porque os tentáculos continuarão produzindo toxinas que causam as queimaduras.

Caso ocorra um acidente, o local deve ser lavado com água do mar. O banhista pode tentar retirar os tentáculos com o auxílio de um objeto, como uma pinça ou até mesmo um palito de sorvete. Em nenhuma hipótese deve-se utilizar água doce para lavar a área afetada. Isso aumenta a liberação de toxinas pelos tentáculos do animal, assim como o álcool. Dessa forma, a pele pode ficar ainda mais inchada. Além disso, é um mito de que a urina ajudaria a aliviar a dor. O uso de xixi e outras substâncias sem comprovação científica podem até agravar o quadro por aumento de irritação e ainda provocar infecção no ferimento.

Uso de vinagre branco ou de maçã é o mais recomendado. Eles contém uma substância chamada ácido acético, que neutraliza o efeito das toxinas, aliviando a dor do paciente. Mas não deve se descartar a ida ao médico.

Deve ser feita avaliação médica para avaliar o grau de inflamação, se tem infecção, se o processo inflamatório for muito intenso e as medicações que devem ser administradas.
Leonardo Abrucio Neto, dermatologista da BP - A Beneficência Portuguesa de São Paulo

Deixe seu comentário

O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Leia as Regras de Uso do UOL.