Plano de saúde do crime: como era o sistema médico reservado para o PCC

Uma investigação do Ministério Público de São Paulo (MP-SP) e da Polícia Civil revelou que o PCC (Primeiro Comando da Capital) mantinha um esquema de saúde informal, com procedimentos médicos e estéticos de alto custo, exclusivos para líderes da facção.

Como funcionava o esquema

Gerenciamento e contratação de serviços. Advogados da facção, que fazem parte de um setor do PCC chamado "Sintonia dos Gravatas" contratavam médicos e dentistas para atender presos estratégicos, utilizando mensagens de aplicativos. Os profissionais recebiam valores acima da média de mercado, pagos por meio de depósitos fracionados e contas de terceiros, dificultando o rastreamento.

Os médicos e dentistas, apesar de não terem vínculo direto com o PCC, prestavam serviços sem questionar a origem dos pagamentos. "Se algum profissional de saúde, seja médico, seja dentista, estiver emitindo alguma declaração falsa ou algo nesse sentido para poder fazer esse atendimento, evidentemente isso vai ser apurado", afirma Lincoln Gakiya, do Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado) de Presidente Prudente, vinculado ao MP-SP (Ministério Público de São Paulo).

Para justificar os atendimentos, advogados apresentavam laudos médicos que alegavam problemas de saúde fictícios. Em um caso de 2015, Marcos Willians Herbas Camacho, conhecido como Marcola, pediu autorização para aplicação de botox alegando uma inflamação no nervo trigêmeo. Embora o pedido tenha sido negado, outros procedimentos, como clareamento dental, foram realizados sob a mesma lógica.

Atendimento era restrito a membros da "nobreza" do PCC. O plano era acessível apenas a uma "fatia privilegiada" da facção, composta por membros de alta hierarquia, geralmente presos durante missões relacionadas ao tráfico de drogas ou atentados contra agentes públicos. Esses líderes tinham acesso ao que foi chamado de "atendimento VIP", incluindo procedimentos estéticos. "São presos que são elencados pela cúpula da facção para poderem receber essas benesses", explicou Gakiya.

A investigação revelou que diversos líderes do PCC usufruíram dos serviços do plano de saúde. Entre os beneficiados estão:

  • Marcos Willians Herbas Camacho (Marcola): Líder do PCC, Marcola chegou a solicitar botox e tinha um dermatologista particular que o atendia antes de ser transferido para o sistema federal.
  • Paulo César Souza Nascimento Júnior (Paulinho Neblina): Importante membro da facção, recebeu atendimentos médicos particulares, incluindo procedimentos odontológicos.
  • Wanderson Nilton de Paula Lima (Andinho): Outro líder de destaque da facção, também listado como beneficiário.
  • Rogério Jeremias de Simone (Gegê do Mangue): Assassinado em 2018, Gegê também foi um dos atendidos pelo esquema.

Três anos de investigações. O esquema revelado em investigação do Ministério Público de São Paulo e da Polícia Civil desvendou um esquema sofisticado, administrado pela facção criminosa, para oferecer atendimentos médicos e estéticos a líderes da organização. A investigação iniciou em 2021.

Cartões de memória, apreendidos com uma visitante em 2021 na Penitenciária 2 de Presidente Venceslau, revelaram a existência de uma lista de médicos e dentistas que atendiam os presos. Manuscritos posteriores confirmaram como o esquema era coordenado e apontaram o envolvimento de uma ONG controlada pela facção para gerenciar pagamentos e criar demandas judiciais falsas, segundo informou em uma coletiva o delegado Edmar Caparroz, do Deinter 8.

Continua após a publicidade

O que se vislumbrou dentro daqueles cartões de memória, que havia diversos arquivos ali contendo pastas dos setores de saúde da facção, rol de médicos e dentistas, advogados com codinomes. E o que é bastante importante também, havia um material da ONG, de certa forma, que prestava conta à cúpula da facção que estava ali estabelecida na unidade prisional.
Edmar Caparroz

Resultado da operação

A operação conjunta do MP-SP e da Polícia Civil levou à prisão de 12 pessoas ligadas ao PCC, incluindo advogados e gestores de uma ONG usada pela facção.

Foram cumpridos 14 mandados de busca. A operação ocorreu em cidades como São Paulo, Presidente Prudente, Guarulhos, Londrina e Presidente Venceslau. Durante as buscas, foram apreendidos celulares, documentos, armas, coletes balísticos e faixas destinadas a manifestações planejadas. Também foram encontrados materiais que revelam detalhes da estrutura do setor jurídico e do esquema de saúde da facção.

A Justiça suspendeu as atividades da ONG. Além da suspensão, determinou a retirada de suas páginas das redes sociais, com base em evidências de que a entidade atuava para criar factoides e enfraquecer instituições públicas. O material apreendido será analisado para identificar outros envolvidos e evitar a continuidade de ações similares.

Em nota, a Ordem dos Advogados do Brasil Seção São Paulo (OAB SP) informou que acompanhou, por meio da Comissão de Direitos e Prerrogativas, a operação que resultou na prisão de dois advogados nas cidades de Sorocaba e Ribeirão Preto, na terça-feira (14). "A OAB SP reforça seu compromisso com a ética e a legalidade, ressaltando que seguirá acompanhando os desdobramentos da operação e da prisão dos referidos advogados, e está à disposição das autoridades para os devidos esclarecimentos", declarou.

Continua após a publicidade

O UOL entrou em contato com a ONG Pacto Social E Carcerário De São Paulo, cujo presidente e vice-presidente foram presos na operação. Até o momento, porém, a organização não havia respondido ao pedido de pronunciamento. O espaço permanece em aberto para futuras manifestações.

Deixe seu comentário

O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Leia as Regras de Uso do UOL.