Barricadas do tráfico no RJ podem custar até R$ 100 mil: 'Tática de guerra'

Na semana passada, durante uma operação no Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro, traficantes criaram uma nova barreira: despejaram óleo nas ruas para dificultar o acesso das polícias Civil e Militar à comunidade. Imagens que viralizaram nas redes sociais mostram um caveirão desgovernado e uma mulher escorregando no óleo.
Usadas pelo crime há pelo menos 17 anos, as facções investem até R$ 100 mil na construção de barreiras. Enquanto isso, o governo do estado gastou cerca de R$ 11 milhões em 2024, para comprar equipamentos especiais e remover 7,7 mil toneladas de barricadas das ruas das comunidades.
O que aconteceu
A aquisição de equipamentos para eliminar as barricadas inclui a compra de retroescavadeiras, caminhões-prancha e basculantes. "Esses recursos são utilizados pela Unidade de Engenharia de Demolição e Transporte, criada em 2007 e subordinada ao Bope, para remover obstáculos como trilhos e blocos de concreto, já que os veículos convencionais e blindados não são suficientes para esse tipo de operação", explicou ao UOL o secretário de Segurança Pública do Rio de Janeiro, Victor dos Santos.
As barricadas visam controlar o acesso, dificultar ou inviabilizar o avanço das forças de segurança. "Uma tática de guerrilha", explicou o secretário, que começou a ser usada pelas facções há cerca de 17 anos, inicialmente com materiais simples, como colchões e restos de móveis. Com o tempo, os métodos evoluíram, passando a incluir caçambas de lixo, trilhos de trem e blocos de concreto.
Segundo o secretário, as barreiras estão espalhadas por todo o estado do Rio de Janeiro, presentes tanto em comunidades urbanas quanto em áreas periféricas.
Essas barreiras se tornaram cada vez mais sofisticadas, muitas funcionando como verdadeiras fortificações planejadas para dificultar ainda mais o trabalho das forças de segurança.
Secretário Victor dos Santos
Algumas barricadas, dependendo do material com que são confeccionadas, podem custar até R$ 100 mil, explicou ao UOL o coronel Roberto Alves Santos, especialista em segurança pública. A sofisticação do método construtivo dessas barreiras exigiu da Sesp (Secretaria de Segurança Pública) do estado a criação de um grupo específico da PM (Polícia Militar), dotado de ferramentas utilizadas na construção civil, com direito a retroescavadeira.
Com o derramamento de óleo nas vias, como no caso da semana passada no Complexo do Alemão, o estado está tendo que mobilizar bombeiros, além da polícia. "O óleo não só dificulta o deslocamento dos veículos policiais, mas também exige a atuação prévia dos bombeiros para neutralizar os riscos. Isso retarda ainda mais o avanço das forças de segurança", explicou o coronel Santos.

Prefeitura da capital fluminense auxilia no combate à construção de barreiras na cidade. Na quinta-feira (16), a Secretaria de Ordem Pública do Rio de Janeiro, em ação conjunta com as polícias Militar e Civil, realizou uma operação para remover oito barricadas em comunidades da Ilha do Governador, que além de dificultar o acesso, serviam como pontos de extorsão e pedágios ilegais.
Foram retiradas seis toneladas de materiais, incluindo trilhos de trem, tijolos e um muro com seteiras usadas por criminosos. "Esses criminosos, de forma covarde, utilizavam essas barricadas para constranger moradores e extorquir motoristas de aplicativos", afirmou o secretário Brenno Carnevale.
Direito de ir e vir
O impacto desses métodos de guerrilha vai além da segurança pública. "O direito de ir e vir é restrito. Serviços essenciais, como ambulâncias e ônibus, têm o acesso comprometido, colocando a população em risco. Muitas vezes, a remoção das barricadas depende da autorização do tráfico, demonstrando a gravidade da situação", afirmou o especialista.
O uso de barricadas já é considerado crime de constrangimento ilegal, mas a tipificação ainda carece de um marco legal mais robusto. Em 2024, a Câmara dos Deputados aprovou um projeto de lei que prevê penas de 3 a 5 anos para quem criar barricadas com o objetivo de dificultar ações policiais, mas o texto ainda está em análise no Senado.
É difícil identificar os responsáveis, pois as ações são feitas de forma dispersa e organizada, dificultando a responsabilização individual. Cada ato está ligado a uma rede maior, o que aumenta a complexidade do rastreamento e da aplicação da lei
Coronel Roberto Alves dos Santos
Casos são recorrentes
No município de São Gonçalo, a situação já era alarmante em 2018, com ao menos 340 ruas bloqueadas por barricadas. Na ocasião, duas jornalistas criaram a plataforma "Tem barricada aí?" para mapear barricadas em São Gonçalo, Niterói e Itaboraí, no Rio. A ferramenta coletava denúncias via WhatsApp e as exibia online, ajudando motoristas a evitar os bloqueios.
Em fevereiro de 2024, durante uma megaoperação nos complexos do Alemão e da Penha, criminosos já haviam utilizado óleo nas ruas para atrapalhar a movimentação dos policiais. Além do óleo, barricadas com fogo em carros e pneus foram empregadas para dificultar o acesso das forças de segurança. Um caminhão também foi utilizado.
Em 16 de outubro de 2024, criminosos sequestraram nove ônibus na Estrada do Itanhangá, zona oeste do Rio, posicionando-os de forma a bloquear a via e impedir o acesso das forças de segurança às comunidades da Muzema, Tijuquinha e Rio das Pedras. Motoristas e passageiros foram obrigados a descer dos veículos, que foram atravessados na pista para servir como obstáculos.
No dia seguinte, 17 de outubro de 2024, mais cinco ônibus foram sequestrados e utilizados como barricadas em diferentes regiões da cidade, incluindo Costa Barros, Muzema e Pavuna. Essas ações resultaram em desvios de itinerário e interrupções no transporte público, afetando a mobilidade dos moradores.
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