Motoboy em SP: 'Em briga de cachorro grande, trabalhador é quem mais sofre'

Diante do embate entre a Prefeitura de São Paulo e as empresas 99 e Uber, que passaram a oferecer transporte de passageiros por motocicleta na capital, "quem mais sofre é o trabalhador", segundo motociclistas ouvidos pelo UOL.
O que aconteceu
Agentes da prefeitura passaram a apreender motos de motoristas da 99 para impedir o serviço de 'mototáxi' por aplicativo em São Paulo. As apreensões ocorrem há cerca de uma semana, após a plataforma disponibilizar o transporte de passageiros em motos na capital paulista desde o último dia 14, indo contra um decreto municipal que proíbe o serviço na cidade. A empresa se ampara em uma lei federal para manter o funcionamento do serviço.
"Não é justo que o trabalhador pague por isso", diz motociclista. Para Nascimento, 57, que trabalha há 32 anos como motoboy em São Paulo, as recentes ações de blitz e apreensão de motos por guardas civis metropolitanos e fiscais de trânsito da prefeitura aumentaram drasticamente na última semana e são "injustas" com os motociclistas, que dependem do veículo para trabalhar e sustentar suas famílias.
O que a prefeitura está fazendo não é justo. Não é possível que seja legal aprender a moto dos caras que estão regularizados e só tentando trabalhar. Se querem bloquear [o serviço], bloqueiem o aplicativo e vai para a Justiça resolver. Elas [empresas] têm poder, e o trabalhador não tem nem para conseguir recuperar sua moto. (...) Nessa briga de cachorro grande, é ele quem mais sofre. Nascimento, entregador de moto por aplicativo, que não quis ter o nome completo divulgado, em entrevista ao UOL
Cobranças para retirar moto apreendida variam de R$ 6 mil a R$ 10 mil, segundo motoboys. "Eles começam a cobrar a partir de R$ 6 mil e, dependendo de quantos dias você leva para buscar no pátio e das multas que vai precisar pagar, pode chegar a R$ 10 mil, diz o paulista João Henrique de Souza, 43, motoboy há 15 anos. Ele, que acompanhou a apreensão de veículos de colegas na última semana, também acredita que a decisão da prefeitura de "punir" os motociclistas é "injusta" e "acaba com a vida do trabalhador".
Prefeitura diz que transporte é clandestino e ações de fiscalização de trânsito são "cotidianas". Diferente do que é alegado pelos motoboys, o prefeito Ricardo Nunes (MDB) afirmou que as batidas de agentes municipais para apreender motos dos motoristas da 99 fazem parte de ações "ordinárias" para combater irregularidades (leia mais aqui).
Infelizmente, a gente vai ter que continuar atuando [com as apreensões] porque, se existe um regulamento que proíbe e o agente público identifica uma atividade em desconformidade com a legislação, a autoridade não pode prevaricar e precisa atuar contra irregularidades, o que acaba prejudicando o motociclista que está ali trabalhando. Ricardo Nunes, em coletiva de imprensa na quarta-feira (22)
Entregadora relata "abuso de autoridade" por parte de GCMs contra motociclistas. A paulista Cristiane Santos, 41, que trabalha desde pandemia como entregadora de moto, conta que foi abordada por guardas civis metropolitanos "com arma em punho". Ela afirma que foi "tratada como bandida" ao ser questionada pelos agentes se estaria trabalhando com passageiros.
Eu acho que, ao invés de coibir o trabalhador, a prefeitura deveria trabalhar mais com ações de proteção e conscientização para o motoboy não sofrer um acidente, com cursos preparatórios, por exemplo. Porque a gente precisa seguir trabalhando, mas não recebe nenhum suporte da prefeitura, nenhuma melhor condição de trabalho. Cristiane Santos
Liderança de motociclistas reforça opinião de colegas. Motoboy há 22 anos, Junior Freitas, 44, é um dos organizadores do ato que reuniu dezenas de motociclistas em defesa da liberação de corridas de 'mototáxi' por aplicativo na última terça (21). Ele defende que, "se existe uma burocracia" que as empresas de transporte por aplicativo precisam cumprir e não cumprem, não são os motoboys que deveriam "pagar o preço".
O prefeito não conseguiu brecar as plataformas de operarem aqui na nossa cidade e, em contrapartida, resolveu pressionar o trabalhador para ficar com medo e não fazer o transporte [de passageiros]. O que talvez ele não entenda é que não é que a gente se arrisca para peitar a prefeitura, a gente faz as corridas porque realmente precisa pôr comida dentro de casa. Junior Freitas
Por fim, Junior questiona por que prefeito tem divulgado dados sobre mortes de motociclistas "só agora". "Acho curioso que agora ele está colocando os dados de morte entre os trabalhadores de moto. Só que isso sempre aconteceu. Por que ele tá fazendo isso só agora? Quer dizer que a nossa vida não valia nada antes? Agora, parece que ele está usando essas mortes para atingir o objetivo dele, só que a gente sempre trabalhou sem saber se ia voltar para casa e nunca teve respaldo da prefeitura", argumenta o entregador.
Em vez de o prefeito apreender moto de trabalhador, por que ele não procura ampliar a faixa azul? Por que não procura melhorar os faróis e as vias da cidade? Por que não pressiona as empresas que não valorizam o trabalhador para que a gente possa trabalhar menos e não ter esse desgaste que aumenta os índices de acidente e coloca em risco as nossas vidas? Junior Freitas
Deixe seu comentário
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Leia as Regras de Uso do UOL.