Briga na cúpula da Bola de Neve expõe sistema de arrecadação das igrejas

A pastora Denise Seixas, que era casada com o apóstolo Rina, fundador da Igreja Bola de Neve, afirma ter feito uma comunicação judicial ao Ministério Público do Estado de São Paulo após encontrar indícios de irregularidades supostamente cometidas pelo empresário Everton Cesar Ribeiro, ex-diretor financeiro da denominação e proprietário da empresa SIAF Solutions, que presta serviços para a Bola de Neve.

A defesa da pastora fala em suspeita de desvio de dinheiro e acusa Everton de agir irregularmente, junto com outros membros do conselho, para tentar assumir a administração da igreja.

A fala, que foi rebatida por ele em entrevista exclusiva ao UOL, expôs o funcionamento do sistema usado para controlar a arrecadação de dinheiro nas centenas de igrejas ligadas a Bola de Neve, presente em mais de 30 países.

Por meio do seu advogado, Anderson Albuquerque, a pastora acusa Everton de ter retirado documentos e um computador da sede da igreja e se recusado a justificar contratos com empresas associadas a ele ou sua irmã, dificultando a transparência administrativa.

Segundo Aristides Zacarelli Neto, advogado de Everton, até o momento não há notificação oficial sobre um eventual processo. Everton diz que o computador citado é um notebook pessoal e que a pastora, em nenhum momento, fez uma solicitação formal.

Procurado, o Ministério Público informou que o caso está em segredo de justiça. A defesa da pastora alega que, por isso, não pode dar detalhes sobre as provas que teriam encontrado.

Formado em arquitetura de sistemas e técnico contábil, Everton criou a SIAF Solutions em 2007, uma empresa que, segundo ele, é especialista no fornecimento de um software de integração e gestão financeira para igrejas e empresas com filiais. O sistema serve para monitorar e fazer a gestão dos valores arrecadados pelas maquininhas, o que antes era feito manualmente.

Segundo a defesa de Denise, a SIAF estaria retendo de 3% a 5% de cada doação, feita nas maquininhas de cartão, que a Bola de Neve recebe dos fiéis como dízimo e ofertas. Outros ex-pastores da Igreja fizeram a mesma afirmação ao UOL.

Everton contesta dizendo que essa taxa é menor que as praticadas por outras empresas de administração de cartões. Segundo ele, seria "impossível" ele reter pessoalmente esses valores pois a administração dessas taxas é feita pelas bandeiras dos cartões e pelas instituições bancárias.

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O conselho diretivo da igreja afirmou que, logo quando as primeiras denúncias contra a SIAF foram feitas por ex-membros e pastores nas redes sociais, foi aberto um processo de sindicância interna, antes mesmo da denúncia feita por Denise, e nenhuma irregularidade foi encontrada.

Confirmaram que o percentual citado pela pastora não é administrado ou recebido pelo Everton e sua empresa, e que os valores pagos pela igreja de forma direta a SIAF são referentes à operação e manutenção do software, usado desde 2018 após processo de licitação interna.

O advogado de Denise contesta a explicação, dizendo que não houve licitação e que sua cliente, à época vice-presidente da instituição, desconhecia a contratação da SIAF.

A remuneração das máquinas de cartão da SIAF, segundo Everton, não é paga pela Bola de Neve, mas pela empresa responsável pela fabricação e operação das máquinas de cartão, a Granito Meios de Pagamento.

A Granito que, de acordo com Everton, é a mesma empresa que cuida das máquinas de cartão do Banco Inter, repassa para a SIAF uma remuneração de 0,002% do volume de transações, e não de 3% a 5%, como afirma a defesa da pastora. UOL procurou a empresa Granito, mas até o momento não obteve resposta.

Everton disse ao UOL que faz parte da Bola de Neve há mais de 20 anos e que foi contratado por Rina como coordenador financeiro antes de abrir a empresa. Ele diz que tinha uma relação de intimidade e confiança com o casal - Rina morreu em 17 de novembro e, desde então, Denise disputa na Justiça o comando da igreja que fundou ao lado do então marido. Eles passavam por um processo de divórcio após ela denunciar abusos e conseguir uma medida protetiva contra ele.

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O conselho da igreja confirmou que Everton teve acesso por vários anos às contas bancárias pessoais do casal, a pedido de Rina e Denise, para realizar pagamentos. Esse acesso só foi revogado quando Denise pediu medida protetiva contra Rina, e, ainda assim, Everton continuou atendendo às solicitações financeiras da pastora. O último pedido foi feito, segundo ele, em 4 de dezembro de 2024.

"Ele sempre teve uma remuneração atrelada à igreja, primeiro como CLT, depois como prestador de serviços", confirmou o conselho da Bola de Neve, ressaltando que hoje a remuneração de Everton se dá pela operação e manutenção do software oferecido pela SIAF.

Denise demitiu Everton, por meio de seu advogado, no final de novembro, após conseguir em liminar provisória o reconhecimento do seu direito de ser a presidente da instituição, tendo em vista que o estatuto previa que em caso de falta do presidente, o vice-presidente deveria assumir a função interinamente.

No entanto, segundo o conselho da igreja, a demissão não teria validade. "Como presidente interina, ela não pode, pelo Estatuto, tomar nenhuma decisão unilateral [...] tem que ser feita em eleição, por ata de aclamação e votação, compondo o presidente, a mesa diretora e o conselho deliberativo."

Everton afirma ainda que Denise já ocupava a vice-presidência da Bola de Neve quando o programa foi adotado e teria acompanhado e concordado com o processo de contratação da empresa, que desenvolveu um programa a partir das necessidades observadas por ele na administração da igreja. Ele diz ainda que Denise teve acesso aos relatórios apresentados ao conselho periodicamente. A defesa da pastora nega.

"Antes de 2018, as igrejas já tinham quase 800 maquininhas. Mas não havia a API de integração com nenhum software, e o custo operacional era muito grande. A Cielo não vendia as máquinas, ela locava. Isso gerava um custo de mais de R$ 500 mil por mês só de locação", disse Everton. "Os tesoureiros da cidade lançavam ticket por ticket no sistema para que eu recebesse um arquivo que a Cielo encaminhava e conseguisse cruzar com a arrecadação de cada unidade."

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Hoje, explica Everton, são 3.000 máquinas de cartão de créditos usadas em todas as igrejas da Bola de Neve Church com CNPJ ativo. Todas têm acesso ao software da SIAF.

"É uma maquininha comum, só que ela tem o meu software embarcado. A expertise do meu negócio não é a maquininha, é o software que faz a integração da informação", afirmou Everton.

Outras grandes igrejas também são clientes da empresa, apesar de Everton afirmar que, por conta da exposição em virtude das denúncias feitas sobre ele e sua empresa, algumas dessas instituições optaram pelo cancelamento do contrato de prestação de serviços com a SIAF.

  • Bola de Neve Church
  • Lagoinha Betim
  • Lagoinha São Paulo
  • Igreja Cem Porcento Vida
  • Pura fé
  • Metodista Wesleyana
  • Ministério Verbo Vivo
  • Igreja Família Cristã
  • Comunidade Evangélica Cristo Vive
  • House Church
  • Igreja Adoração e Vida

Everton explica que o diferencial do software é que ele produz um relatório instantâneo do total da doação recebida por qualquer igreja via maquininha. Isso é enviado tanto para a igreja local quanto para a sede, que faz a gestão de todo o recurso arrecadado.

"Tem igrejas que faturam, e outras que estão no negativo. Quando você tem toda a situação centralizada, consegue dividir melhor essas receitas para as filiais. A gente entende que é um chamado de ajudar essas igrejas necessitadas", afirma um conselheiro da Bola de Neve sobre a centralização da administração financeira.

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