Doria e Covas revogaram controle sobre moradia social subsidiada em SP

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Questionada na Justiça por suspeita de fraude, a política de incentivo à construção privada de moradia social em São Paulo teve seu controle desmantelado durante as gestões dos prefeitos João Doria e Bruno Covas.
Por meio de decretos e portarias, ambos revogaram os mecanismos de controle criados no final de 2016, ainda no governo Fernando Haddad (PT), para assegurar o atendimento a famílias de baixa renda em prédios construídos mediante subsídios fiscais e urbanísticos.
Agora, a gestão Ricardo Nunes (MDB) pretende repassar a uma auditoria externa a função de fiscalizar a destinação correta dos imóveis. O processo licitatório já foi aberto ao custo estimado de R$ 43,7 milhões.
As alterações promovidas após Haddad deixar o cargo começaram a ser implementadas em 1º de março de 2018, um mês antes de Doria renunciar ao cargo de prefeito para disputar e vencer o governo do estado.
Nesta data, decreto publicado no Diário Oficial do Município retirou a previsão de convênio entre construtoras e poder público como condição prévia para a produção de unidades de HIS (Habitação de Interesse Social) na cidade.
Ou seja: o mercado foi liberado a planejar de forma independente onde e como construir.
Em maio do mesmo ano, já com Bruno Covas à frente da prefeitura, todas as diretrizes para regular a produção de HIS pela iniciativa privada foram revogadas.

Entre as regras anuladas estava a que atribuía à Sehab (Secretaria Municipal de Habitação) a responsabilidade de indicar quais moradores poderiam ocupar os imóveis subsidiados.
Sem essa determinação, o setor pôde, portanto, escolher a quem vender HIS na capital e por qual preço.
Também recebeu aval para reduzir a área mínima exigida até então, que era de ao menos 24 m².
Procurado, o ex-prefeito João Doria não quis comentar. Secretário de habitação à época, Fernando Chucre não respondeu à reportagem.
Oposição tenta aprovar CPI para investigar fraudes
A construção de moradia social pela iniciativa privada é incentivada pelo município desde 2014, quando foi aprovado o atual Plano Diretor de São Paulo.
A legislação especifica ainda os limites de renda para cada faixa: de zero a três salários mínimos (HIS 1) e de três a seis salários mínimos (HIS 2).
A meta é reduzir o déficit habitacional e levar moradores para regiões com mais oferta de empregos e de mobilidade, como nas proximidades das estações de metrô.
Mas, sem controle, a política se resumiu apenas à concessão de subsídios ao mercado.
Relator da lei em 2014, o vereador Nabil Bonduki (PT) afirma que a derrubada dos mecanismos de controle criados em 2016 impediram que a política fosse testada e acompanhada da forma correta.
"Abriu-se a porteira, gerando essa profusão de empreendimentos sem fiscalização e com suspeita de fraude. A prefeitura precisa retomar o controle, indicando a demanda para HIS 2, como era definido antes", afirma. No caso de HIS 1, a demanda já é organizada pelo município.
Bonduki e o também petista João Ananias defendem a instauração de uma CPI na Câmara Municipal para investigar irregularidades na construção e ocupação de HIS com subsídio público.
Os pedidos devem ser votados até o final de fevereiro.
MP quer a suspensão da política
Em janeiro, a Promotoria de Habitação e Urbanismo denunciou a gestão Ricardo Nunes (MDB) à Justiça por omissão na fiscalização dos benefícios. O órgão também pediu a suspensão imediata da política adotada.
Estão na mira cerca de 240 mil unidades HIS 2 licenciadas desde 2019. Cerca de 20% ficam em áreas valorizadas da capital, sendo 6.695 apenas no Itaim Bibi, por exemplo.
Em novembro de 2024, o UOL mostrou que uma delas foi vendida por quase R$ 1,5 milhão.
Os promotores Marcus Vinicius Monteiro dos Santos, Camila Mansour Magalhães da Silveira, Roberto Luís de Oliveira Pimentel e Moacir Tonani Junior relatam que, desde a instauração do inquérito, em outubro de 2022, têm tentado, sem sucesso, obter qualquer tipo de comprovação por parte da gestão Nunes relativa à fiscalização das isenções fiscais concedidas.
Eles citam uma reunião realizada em setembro de 2024 na qual o então secretário municipal de Habitação, Milton Vieira, declarou não ter estrutura material e humana para desempenhar tal tarefa.
"Essa suposta falta de estrutura administrativa evidencia que aquela política pública, diante da impossibilidade material de acompanhamento de sua implementação, foi mal desenhada e não deve continuar sendo implementada até que o poder público adote novos mecanismos de controle e aferição de resultados, visando corrigir seu rumo ou então descontinuá-la."
Desde então, Nunes multou duas construtoras em mais de R$ 31 milhões por irregularidades no uso dos incentivos públicos.
O prefeito também ajustou o discurso e prometeu rigor nas investigações internas.
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