Mais que trégua: o que pode estar por trás de paz perigosa entre CV e PCC

Ler resumo da notícia
A trégua firmada entre Marcola, do PCC, e Marcinho VP, do CV, deixou em alerta autoridades de segurança pública. O entendimento é de que o pacto prevê a cooperação entre as facções para fortalecer o controle sobre o tráfico de drogas e enfraquecer as restrições impostas pelo sistema penitenciário federal.
O que aconteceu
A aliança entre PCC e CV pode facilitar fugas e rebeliões em presídios federais, segundo as autoridades. O pacto também visa afrouxar regras carcerárias e expandir o tráfico.
Desde que foram transferidos para presídios de segurança máxima, os chefes das facções enfrentam um regime rígido, com isolamento e limitação de comunicação. A aliança entre as organizações é vista como uma estratégia para pressionar o governo e até mesmo articular medidas legais para flexibilizar essas condições.
A trégua se reflete dentro e fora das cadeias. Avisos internos das facções, conhecidos como "salves", determinaram a suspensão de execuções e invasões de territórios entre membros rivais. Estados do Norte e Nordeste, onde o CV é predominante, já registraram essa mudança de postura.
As autoridades temem que a aliança entre PCC e CV resulte em fugas de líderes e fortaleça o tráfico internacional de drogas. Uma das principais preocupações é a possibilidade de as facções coordenarem planos de resgate para libertar seus chefes do sistema penitenciário federal.
Além disso, há indícios de que ambas estejam unindo forças para otimizar o controle sobre as duas maiores rotas do tráfico de cocaína no Brasil: a rota caipira e a do Solimões. Dominada pelo PCC, a rota caipira começa na Bolívia, atravessa municípios paulistas e chega ao porto de Santos, de onde a droga é exportada para Europa e África; e a rota do Solimões fica na Floresta Amazônica, sob influência do CV.
A aliança entre PCC e CV pode facilitar tentativas de fuga e rebeliões no sistema penitenciário. O promotor Lincoln Gakiya, referência no combate às facções, destacou que a mobilização conjunta das organizações criminosas pretende criar um ambiente favorável para relaxar as medidas disciplinares impostas pelo governo.
Na verdade, desde a remoção [para o sistema penitenciário federal] do Marcola e demais lideranças do PCC [em 2019] já havia esse pensamento de uma trégua, para poderem, juntos, tentar derrubar os rigores do sistema penitenciário federal. Agora se concretizou.
Lincoln Gakiya
O histórico das facções inclui tentativas de resgate cinematográficas e cooptação de agentes públicos. Autoridades já investigam se o pacto inclui a organização de novos planos de fuga, agora com a força combinada das duas maiores facções do país.
Reduzir restrições
Além da preocupação com fugas e rebeliões, há indícios de que PCC e CV estejam financiando estratégias jurídicas para reduzir as restrições impostas pelo sistema federal. Entre os principais pontos de pressão estão a retomada de visitas íntimas e a flexibilização do isolamento.
A possível influência sobre decisões judiciais levanta um debate sobre o fortalecimento do crime organizado no Brasil. Algumas autoridades defendem que as facções sejam enquadradas como grupos terroristas, o que poderia mudar o tratamento jurídico dado aos seus membros.
O setor de Inteligência da Polícia Federal ainda não confirma a consolidação da aliança, mas reconhece haver movimentações suspeitas. As forças de segurança monitoram os desdobramentos da trégua e avaliam estratégias para evitar o fortalecimento das facções. No Rio de Janeiro, o tema foi discutido em uma reunião com o ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski.
Marcola e Marcinho VP estão em presídios federais
Marcola está detido na Penitenciária Federal de Porto Velho, Rondônia, desde 2019, sob regime de segurança máxima. Condenado a mais de 300 anos de prisão, ele segue isolado e sem previsão de progressão de regime. Mesmo com o limite de 30 anos de reclusão estabelecido pela legislação brasileira, sua permanência no sistema federal deve ser prolongada devido à periculosidade e novas sentenças.
Marcinho VP cumpre pena na Penitenciária Federal de Catanduvas, no Paraná. Preso desde 1997, acumula condenações que somam 48 anos, mas sua defesa já tentou revisões de pena. Dependendo das condições de progressão, ele poderia sair nos próximos anos, embora as autoridades sigam monitorando sua influência criminosa.
*Com matérias publicadas em 21/02/2019, 13/10/2021 e 14/08/2022.
Deixe seu comentário
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Leia as Regras de Uso do UOL.