'Estava nua': mulher é filmada por drone em casa; é crime espionar vizinho?
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Uma empresária de São Vicente, no litoral de São Paulo, denunciou que foi espionada dentro de sua própria casa por um drone que pairou diante de sua janela enquanto ela estava nua. Segundo a vítima, essa não foi a primeira vez que o equipamento apareceu em seu apartamento, o que a levou a registrar um boletim de ocorrência online.
O que aconteceu
Milena Augusta, 35, estava deitada na cama, por volta da meia-noite, quando ouviu um barulho na janela. "Me virei e vi um drone parado, muito perto, quase dentro do meu apartamento. Se eu esticasse a mão, conseguiria pegá-lo", conta Milena Augusta, que registrou o caso em vídeo.
Ela relata que, no primeiro momento, ficou sem reação. "Meu único pensamento foi pegar o celular e filmar. Eu estava nua, dentro da minha casa, e sendo observada. Quem estava me filmando? Para onde vão essas imagens?", questiona.
Segundo a empresária, essa não foi a primeira vez que o drone apareceu em sua janela. "Uma semana antes vi o drone, mas ele ficou menos tempo e eu não dei muita importância. Agora, ele ficou parado por quase dois minutos me observando", afirma.
Milena mora na Itália há 11 anos, mas vem ao Brasil todos os anos para passar férias. "Eu fico de dezembro a março aqui, sempre no meu apartamento em São Vicente. Esse apartamento é meu, não é alugado. Escolhi esse lugar porque queria morar de frente para o mar, dormir ouvindo as ondas. Mas agora não consigo mais ficar tranquila aqui dentro", lamenta.
Ela diz que, desde o episódio, vive em estado de alerta. "Eu fico toda hora olhando para a janela, assustada, porque não sei se o drone vai aparecer de novo. E as pessoas acham que não tem lei, porque nada acontece", comentou.
Milena diz não desconfiar de ninguém, por ser nova no condomínio. "Se fosse algo que só tivesse acontecido comigo, eu até poderia desconfiar de alguém. Mas já recebi relatos de várias pessoas dizendo que passaram pela mesma coisa. Não é algo exclusivo meu, esse crime está acontecendo com outras mulheres, e ninguém faz nada", alerta.
É crime espionar vizinhos?
O Código Penal prevê punições para quem invade a privacidade de outra pessoa sem consentimento. O advogado criminalista Carlos César Coruja Silva explica que a prática pode configurar diferentes crimes, dependendo do contexto. Entre as tipificações possíveis estão violação de domicílio (art. 150 do CP), interceptação ilegal de comunicações (art. 10 da Lei 9.296/96) e registro não autorizado da intimidade sexual (art. 216-B do CP), caso haja nudez.
As penas variam conforme a infração cometida e podem chegar a quatro anos de reclusão. A violação de domicílio tem pena de um a três meses de detenção ou multa, podendo chegar a dois anos em casos agravados. A gravação não autorizada da intimidade sexual pode levar a seis meses a um ano de detenção e multa, enquanto a interceptação ilegal de comunicações tem pena de dois a quatro anos de reclusão e multa.
O método utilizado não altera o crime. "Seja com um drone, um binóculo ou uma câmera escondida, o que importa é a violação do direito à privacidade", afirma a criminalista Vanessa Avellar Fernandez. Segundo ela, não há um artigo específico para espionagem com drones, mas as leis existentes podem ser aplicadas por analogia.
A divulgação não autorizada de imagens íntimas pode resultar em pena de até cinco anos de reclusão. A Lei 13.718/18 tipifica a exposição de cenas de nudez, pornografia e estupro como crime. Além disso, prevê aumento de pena em casos de "pornografia de vingança", quando há intenção de humilhar a vítima.
A Lei Rose Leonel (Lei 13.772/2018) trata do registro não autorizado de imagens íntimas, não da divulgação. Essa lei criminaliza quem registra conteúdo de nudez ou ato sexual sem consentimento da pessoa filmada, com pena de seis meses a um ano de detenção.
Reparação judicial
Mesmo sem nudez, a vítima pode buscar reparação judicial. "Se houver exposição indevida, a pessoa pode processar o responsável por danos morais e materiais", explica Fernandez. A Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) também pode ser aplicada, caso haja uso indevido de imagens ou informações pessoais.
A primeira atitude deve ser reunir provas e registrar um boletim de ocorrência. "É fundamental documentar a invasão, gravar vídeos, tirar fotos e buscar testemunhas", orienta Silva. Caso a espionagem seja frequente, pode ser caracterizado stalking, crime previsto no artigo 147-A do Código Penal, com pena de seis meses a dois anos de reclusão, podendo chegar a três anos se houver agravantes.
Medidas protetivas nem sempre são aplicáveis. Segundo Fernandez, "a Justiça concede medidas protetivas em casos de violência doméstica ou familiar, mas não para espionagem por vizinhos sem vínculo afetivo". No entanto, a vítima pode ingressar com ação cível para exigir indenização e determinar que o agressor cesse a conduta.
Confrontar diretamente o responsável ou danificar o equipamento pode trazer problemas para a vítima. "Se a pessoa destruir um equipamento ou tomar posse dele, pode acabar respondendo por dano ao patrimônio ou até mesmo furto", alerta Fernandez. O ideal, segundo ela, é agir dentro da lei e garantir que o caso seja investigado corretamente.
Especialistas apontam que a legislação brasileira não cobre totalmente os casos de espionagem entre vizinhos. "Hoje, usamos leis criadas antes da popularização dos drones e da tecnologia de vigilância, mas a regulamentação ainda não está clara", diz Fernandez.
Projetos de lei tentam endurecer as punições, mas, por enquanto, cada caso é analisado individualmente. "A privacidade é um direito fundamental, mas as punições ainda são brandas em alguns cenários", conclui Silva. Enquanto isso, vítimas precisam recorrer aos meios legais já existentes para garantir sua segurança e indenização.
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