'Cuidem do papai': mãe morre de câncer e deixa vídeo comovente para família

Ele ficou paralisado ao ver a bela mulher de 1,68 metro de altura descer pelas escadas de uma academia de Belo Horizonte (MG). Encantado, parou o treino e usou de simpatia para se aproximar da moça de sorriso largo e voz calma. Esse não é o trecho de um livro de romance, mas o primeiro ato de uma história real, que contém alegria e tristeza, mas, sobretudo, amor.

Nosso encontro foi um encontro de almas. Estava malhando, com alguns amigos próximos, e, de repente, desce aquela menina linda. Cara de pau e atrevido, fui dar as boas-vindas. Quando olho para o dedo dela, uma aliança de noivado, grossa, na mão direita.
Lowell Revert, 54, administrador de empresas

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No outro dia, Lowell descobre que ele e a moça, de nome Cecília, a Cissa, também formada em Administração, trabalhavam no mesmo lugar, mas nunca tinham se visto. Uma viagem com funcionários da empresa daria outro rumo a vida dos dois.

"Fomos em turma passar um final de semana no Hopi Hari. Nessa nossa ida, eu falei: vou sentando ao lado da Cissa. Viajamos a estrada toda conversando e, chegando em Valinhos, demos o primeiro beijo. Ela automaticamente tirou a aliança e falou: 'está tudo errado na minha vida.'. Passamos um final de semana maravilhoso no parque. Na segunda-feira, ela procurou o noivo e terminou. A partir daí foi um amor alucinante. Nunca mais nos separamos", lembra Lowell.

As canções de Marisa Monte passaram a fazer parte da trilha sonora da história do casal, que, em quatro meses, já dividiam o mesmo teto.

A nossa convivência era espetacular. Um dia ela falou para irmos à casa dela pegar uma roupa e desceu com uma mala gigante e disse: 'estou indo para a casa do Lowell'. Desse dia em diante, ela nunca mais saiu de casa. A nossa vida sempre foi regada a muita música, amigos e alegria.

Lowell e Cissa casaram-se em um ano. A primeira filha, Luiza, nasceu após cinco anos de união, e, cinco anos depois, veio ao mundo a caçula, Helena.

Cecília e Lowell se casaram e um ano e são pais de Luiza e Helena, de 15 e 10 anos respectivamente
Cecília e Lowell se casaram e um ano e são pais de Luiza e Helena, de 15 e 10 anos respectivamente Imagem: Lowell Revert/Arquivo pessoal
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A doença

A alegria da família foi pausada por uma preocupação. Cissa reparou que as roupas estavam ficando largas. A percepção aliada às dores no estômago acenderam o alerta para procurar o médico.

"Ela sempre foi muito magra e as roupas não estavam mais servindo nela. Depois de vários exames, identificou que ela estava com H.pylori. Tratamos, e a bactéria saiu, porém, ela continuou emagrecendo e sentindo muita dor abdominal", conta Lowell.

Meses depois, após muitos exames, às vésperas do carnaval, o casal teve a notícia que mudaria suas vidas daquele momento em diante. Em uma consulta de emergência com um especialista, Cissa foi diagnosticada com neoplasia gástrica (câncer de estômago).

Foi como tirar o chão da gente. Nós, com duas filhas pequenas, na época, a Helena com três anos e a Luiza com oito. Câncer é uma palavra pesada. O médico falou da gravidade, que não era um tumor pequeno, e que a cirurgia deveria ser de emergência para tentar recuperar parte do estômago, que já estava bem afetado.

Por recomendação médica, o casal decidiu que não contaria imediatamente à família e aos amigos o diagnóstico. Aproveitaram junto com as filhas o carnaval daquele ano, já que a cirurgia seria realizada somente após esse período. A cena protagonizada pelos dois no bloco, ainda é nítida na memória de Lowell.

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A banda tocando no bloquinho e, no meio, um choro entre nós dois abraçados, ninguém entendendo nada, nossas filhas não entendendo. Foi triste. Tudo remetia a esse tratamento e a Deus. Sempre tivemos muita fé pela cura.

Após o carnaval, na véspera da cirurgia, o casal reuniu a família para contar o diagnóstico de Cissa.

Tratamento e cuidados paliativos

A voz de Lowell fica embargada ao falar sobre os detalhes do processo de tratamento de Cissa. Ao longo de dois anos e três meses, a esposa passou por inúmeras cirurgias e sessões de quimioterapia e radioterapia.

Fui em todas as consultas e internações. Em todos os momentos estive presente. Dormia todos os dias com ela. Ela me tinha como confidente, amigo, marido, o amor da vida dela. Eu amava poder estar ali. A empresa me ajudou muito, me deu cobertura para tudo o que fiz e faria de novo para tentar salvar a vida dela.

A doença avançou e atingiu outros órgãos. Não havia mais o que ser feito, e Cissa entraria na fase dos cuidados paliativos. Ela decidiu que morreria em casa.

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A Cissa chamou todos os amigos para se despedir, os familiares, cada um no seu momento. As amigas já chegavam chorando e ela consolava. Surpreendente a força e a determinação que ela tinha.

Dois dias antes da partida, as filhas foram para a casa madrinha de uma delas. "Ela não conversava, não se alimentava, a sonda já não funcionava. Passei as últimas 48 horas ao seu lado. Quando ela partiu, eu estava segurando a mão dela", disse Lowell.

Cecília Castro Revert, a Cissa, morreu aos 39 anos, no final de uma manhã de terça-feira, às 11h43, dia 6 de agosto de 2019.

A vida após a morte

Depois do enterro de Cissa, Lowell e as duas filhas viajaram por 15 dias. A vida da família precisaria seguir em frente.

Fomos para uma fazenda e nos isolamos do mundo. Foi um momento de dor, saudade, angústia e lembranças. Precisei ser muito forte o tempo todo, porque estava com duas filhas e ia viver com elas, a partir daquele momento minha vida seria com elas.

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Tempos depois, ao mexer no celular de Cissa, Lowell teve uma surpresa: a esposa havia gravado um vídeo para ele e as filhas. "Ela sempre falava que queria deixar uma carta. O tempo passou e ela não escreveu. Achei esse vídeo e assisti mais de mil vezes. Eu chorava compulsivamente".

No vídeo de pouco mais de 10 minutos, Cissa, já bem debilitada, se declara ao marido e às filhas, e deixa um recado:

Vocês são as pessoas mais importantes da minha vida. Busquem o melhor para a vida de vocês, e cuidem do papai! Vocês tiraram a sorte grande, um pai desses é um presente divino.
Cissa

Lowell publicou o vídeo no YouTube. A postagem conta com mais de 900 mil visualizações. "Até hoje recebo mensagem de pessoas que se sentiram tocadas".

'Pãe delas'

Durante a pandemia de Covid-19, Lowell criou o perfil 'Pae Delas' no Instagram, onde passou a compartilhar a rotina com as filhas. "Muitas pessoas viveram a minha história e da Cissa, e é uma forma de quem nos segue, família e amigos, ver as meninas crescendo, que estão bem, cuidadas, zeladas, e, principalmente, muito amadas".

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Atualmente, Luiza tem 15 anos e Helena 10. Pai e filhas seguem morando juntos em Belo Horizonte. E a vida continua, apesar de tudo.

Vivo em função das minhas duas filhas, elas estão em primeiro lugar sempre, em tudo o que faço e penso. A nossa rotina durante a semana é mais corrida, mas o que não abrimos mão é de, aos finais de semana, estar à mesa no café da manhã ouvindo Marisa Monte e colocando a conversa em dia.

Câncer de estômago no Brasil

Dados mais recentes do Atlas de Mortalidade por Câncer mostra que em 2022 foram registradas 14.340 mortes decorrentes de câncer de estômago no Brasil. A infecção pela bactéria H.Pylori (Helicobacter pylori) aumenta o risco de desenvolvimento da doença.

"Existe maior incidência de câncer de estômago em indivíduos que tem infecção por H.Pylori. Alguns podem ter sinais gástricos, uma gastrite, por exemplo, mas um grande número de pessoas, ou a maioria, não tem nenhum sintoma. A bactéria pode ser identificada no estômago e intestino e o tratamento é feito com esquemas que envolvem antibióticos orais", explica o médico Alexandre Palladino, chefe do setor de Oncologia Clínica do Instituto Nacional do Câncer (INCA).

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Palladino lembra que a infecção por H.Pylori não é o único fator de risco para o câncer de estômago. "Há outros relacionados à alimentação, tabagismo, refluxo, obesidade, consumo de alimentos ultraprocessados e bebida alcoólica. Existe interação de fatores internos com a predisposição genética do indivíduo e outros fatores que podem levar ao diagnóstico".

O especialista explica que os sintomas de câncer de estômago são inespecíficos. "Sangue nas fezes, principalmente sangue mais escurecido digerido dentro do intestino; anemia não esclarecida, que pode estar relacionada a um sangramento oculto no tubo digestivo; dores no estômago; enjoo; intolerância alimentar. São sintomas que também acontecem em doenças benignas, para as pessoas não ficarem apavoradas, mas devem levar a uma investigação com endoscopia com biópsia".

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